1. Introdução
Como temos abordado em vários conteúdos aqui no blog, o voto de qualidade do CARF, dado em casos de julgamento que terminam em empate, gerou muitas discussões nos últimos anos.
O voto de qualidade determinava que, caso ocorresse empate durante a votação de julgamentos realizados pelo CARF, o voto de minerva, ou seja, aquele que decide o empate, deveria ser dado pelo presidente do CARF, que sempre é um representante da Fazenda Nacional. Na prática, pelo voto de qualidade, em casos de empate, acabava prevalecendo o entendimento da União.
Em 2020, a lei nº 13.988/2020 deu nova redação ao artigo 19-E da lei nº 10.522/2002, e acabou com o voto de qualidade nos moldes anteriormente conhecidos. Pela nova redação, os casos de empate de votações deveriam ser resolvidos de forma favorável ao contribuinte. Importante mencionar, ainda, que a mencionada alteração legislativa foi objeto das Ações Declaratórias de Inconstitucionalidade (“ADIs”) 6.399, 6.403 e 6.415.
A MP nº 1.160/2023, publicada em janeiro de 2023, revogou o artigo 19-E da lei nº 10.522/2002, fazendo com que voltasse a vigorar a regra do voto de qualidade do presidente do CARF. No entanto, essa MP perdeu a eficácia.
Diante de toda essa discussão, o Governo enviou ao Legislativo um Projeto de Lei que definiria a questão, tratou-se do Projeto de Lei nº 2.384-A, de 2023, que foi recentemente aprovado e sancionado com alguns vetos, convertendo-se na Lei nº 14.680/2023. Nesse conteúdo, abordaremos as principais alterações dessa nova lei.
Para se aprofundar em todo o histórico da discussão, vale conferir os outros conteúdos que fizemos sobre o tema, que podem ser acessados nos links a seguir: Voto de Qualidade no CARF, Seis temas para monitorar no CARF e Perda de Eficácia da MP 1.160/2023.
2. O que muda em relação ao voto de qualidade em si?
Como falamos acima, o voto de qualidade foi objeto de muita discussão e alterações nos últimos anos.
Até a edição da Lei nº 14.680/2023, em caso de empate, os litígios fiscais eram resolvidos de forma favorável aos contribuintes.
Com a aprovação da Lei em questão, o voto de qualidade voltará a ser atribuído ao Presidente das Turmas. Considerando que o Presidente sempre é representante do fisco, na prática, o voto de qualidade acaba por representar um desempate em favor do fisco.
3. Exclusão de multa e representação fiscal para fins penais
Uma das lógicas da Lei ao restabelecer o voto de qualidade atribuído ao Presidente da Turma, o que, como visto na prática, acaba por representar um voto de desempate pró-fisco, é a de amenizar a exigência tributária mantida pelo voto de qualidade, uma vez que seria presumível ao menos a dúvida em relação à questão jurídica e à conduta do contribuinte.
Nesse sentido, a Lei estabelece, a inclusão do §9-A ao art.25 do Decreto nº 70.235/1972, que prevê que as multas e a representação fiscal para fins penais ficam excluídas na hipótese julgamento pelo voto de qualidade. Ou seja, se por um lado o crédito tributário seria mantido, ao menos não haveria multa ou tentativa de responsabilização criminal. Considerando que as multas de ofício (aplicadas em autos de infração) são de pelo menos 75% do valor do tributo exigido, trata-se de uma grande diminuição no valor total cobrado pelo fisco.
Esses benefícios são aplicáveis também para os processos decididos por voto de qualidade durante a vigência da MP nº 1.160/2023, bem como aos casos já julgados pelo CARF e ainda pendente de julgamento pelo Tribunal Regional Federal na data da publicação da lei.
4. Desconto em juros, parcelamento e formas de pagamento
Na linha do exposto acima, de dar concessões aos contribuintes que tenham créditos tributários mantidos mesmo após empate, a Lei incluí o art. 25-A ao Decreto nº 70.235/1972. Segundo esse artigo, o contribuinte pode, após decisão definitiva por voto de qualidade mantendo a cobrança, manifestar o pagamento em até 90 (noventa) dias com exclusão dos juros de mora.
Ou seja, em caso de pagamento do débito, além da exclusão da multa, o contribuinte também terá a exclusão dos juros, podendo pagar tão somente o principal do débito.
O § 1º do art. 25-A ainda estabelece que o valor remanescente poderá ser parcelado em 12 (doze) vezes, ficando o montante do principal sujeito a juros calculados pela SELIC durante esse parcelamento.
Esses benefícios são aplicáveis também para os processos decididos por voto de qualidade durante a vigência da MP nº 1.160/2023.
Ainda, a Lei prevê a possibilidade de quitação do débito com a utilização de prejuízos fiscais e bases negativas de CSLL, mesmo que de pessoa jurídica controladora, controlada ou sob controle comum.
Por fim, o art. 3º da Lei prevê que, em caso de voto de qualidade, o contribuinte poderá propor transação tributária.
5. Dispensa de garantia em discussão judicial
Outra inovação bastante positiva foi a dispensa de garantia para discussão judicial dos débitos tributários mantidos por voto de qualidade no CARF.
No entanto, essa dispensa vale somente para contribuintes que, nos últimos 12 (doze) meses tenham tido certidão de regularidade fiscal por ao menos três meses, consecutivos ou não, bem como que sejam considerados detentores de “capacidade de pagamento”, a ser aferido de acordo com o patrimônio líquido, relatório de auditoria independente sobre as demonstrações financeiras, relação de bens livres de ônus e comunicação à Procuradoria Geral da Fazenda Nacional sobre alienação ou oneração de seus bens.
6. Sustentação oral e julgamento na DRJ
Um ponto que causava muito incômodo em representantes de contribuintes era o fato de que os julgamentos em Delegacias Tributárias de Julgamento, primeira instância administrativa, ocorriam “de portas fechadas”, não se podendo acessar o julgamento, acompanhá-lo e muito menos realizar sustentação oral.
A Lei endereça essa questão ao dispor, no § 12, inserido no art. 25 do Decreto nº70.235/1972, que será garantido o direito à sustentação oral em julgamentos nas Delegacias Tributárias de Julgamento.
Outra alteração foi trazida no novo § 13, que estabeleceu que as Delegacias Tributárias de Julgamento e o CARF devem observar a jurisprudência sumulada do CARF. O CARF já possuía essa obrigatoriedade em regimento, mas a Lei conferiu o status legal.
7. Medidas de incentivo à conformidade tributária
A Lei ainda estabelece que será incentivada a conformidade tributária por parte dos contribuintes.
Como exemplos de medidas que a RFB pode adotar para incentivar a conformidade, a Lei cita concessão de prazo para pagamento sem multa, redução de multas etc., a depender da apresentação voluntária do contribuinte ou do atendimento tempestivo de intimações pelas autoridades fiscais.
8. Vetos
Na sanção presidencial, foram realizados relevantes vetos em relação ao texto do PL aprovado. Um deles se referiu à Câmara de Mediação e Conciliação da Administração Pública Federal. O artigo vetado estabelecia que, se houvesse processo tributário em que houvesse controvérsia jurídica entre as autoridades fiscais e um órgão regulador (como ocorreria, por exemplo, em uma importação sujeita a aval da Anvisa em que a autoridade fiscal e a Anvisa interpretassem um determinado fato ou negócio distintamente) este deveria ser submetido à Câmara de Mediação e de Conciliação da Administração Pública Federal. Essa remessa teria o efeito suspender a exigibilidade do crédito tributário.
Outra parte relevante vetada se referiu à atualização da Lei nº 6.830/1980, que disciplina o rito das execuções fiscais. Os dispositivos em questão estabeleciam que a garantia ofertada pelo contribuinte poderia se dar somente em relação ao principal do tributo cobrado, bem como que, em caso de vitória, a Fazenda Pública ressarciria os custos de manutenção da garantia durante o processo judicial.
Ainda, restou vetado o artigo que tratava da publicação de métodos de autorregulação pela Receita, bem como assegurando que tal publicação não configuraria início do procedimento fiscal.
9. Conclusões
Como se viu, a nova Lei que estabelece o voto de qualidade acabou por alterar muito mais temas do que somente o voto de qualidade.
Em relação ao voto de qualidade, nota-se uma alteração na lógica até hoje existente. Ao invés de manter a discussão na dicotomia entre quem deve vencer em caso de empate, a Lei estabelece o voto de qualidade para o Fisco, mas dando diversos privilégios ao contribuinte que tiver um débito mantido após empate no CARF.
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