Um ponto muito discutido pelos contribuintes que têm estruturas no exterior se refere à tributação do lucro de controladas com sede em países com os quais o Brasil possui tratado para evitar a dupla tributação.
Isso porque, desde a edição da Medida Provisória nº 2.158-35/2001, especialmente em seu art. 74, os lucros das controladas no exterior passaram a ser tributados quando do balanço que apurasse os lucros da referida controlada.
Essa disposição foi revogada pela Lei nº 12.973/2014, que manteve, em linhas gerais, o que já vinha se aplicando do referido art. 74.
Vale lembrar que o mencionado art. 74 foi objeto de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade, de nº 2.588, que restringiu sua aplicação em relação às empresas coligadas não situadas em paraísos fiscais.
Após essa discussão, os contribuintes e fisco passaram a debater sobre a aplicabilidade da tributação dos lucros de controlada no exterior em caso de controlada situada em jurisdição com a qual o Brasil tivesse tratado para evitar a dupla tributação.
Recentemente, o CARF proferiu uma recente decisão a esse respeito, que abordaremos em detalhes a seguir.
1. O Julgamento do CARF
Como adiantado, o CARF analisou, recentemente, a tributação dos lucros de controlada no exterior em jurisdição com a qual o Brasil mantém tratado para evitar a dupla tributação.
Os tratados para evitar a dupla tributação nada mais são que acordos que dividem as competências tributárias entre duas jurisdições. Esses acordos, via de regra, seguem padrões pré-estabelecidos, seja conforme modelos da OCDE ou da ONU.
Usualmente, os acordos para evitar a dupla tributação contém disposição sobre lucros no exterior, dispondo que tais lucros somente são tributados no país onde auferidos, conforme prevê o art. 7o desses tratados, constante nos acordos firmados pelo Brasil.
Ou seja, segundo o art. 7o, uma empresa em um outro país com o qual o Brasil mantenha tratado para evitar a dupla tributação que seja controlada por uma empresa brasileira somente poderá ter seus lucros tributados nesse país. O Brasil, nesse caso, não teria competência tributária para tributação desses lucros.
Surge então a questão: o referido art. 74 da Medida Provisória nº 2.158-35/2001, que determinava a tributação dos lucros das controladas, seria inaplicável quando a controlada fosse situada em países com tratado?
Na visão dos contribuintes, o art. 7o dos tratados impediria a tributação, no Brasil, dos lucros auferidos no exterior.
Por sua vez, na visão do Fisco, o art. 74 não capturava lucros no exterior, mas sim lucros da empresa brasileira, auferidos pela participação no exterior.
Essa foi a controvérsia analisada pelo CARF no julgamento do Processo Administrativo nº 16561.720063/2014-74.
No caso, a Conselheira Livia de Carli Germano, relatora do processo na 1a Turma da Câmara Superior, entendeu que o art. 74 da MP nº 2.158-35/2001 é incompatível com o art. 7o dos tratados. Ou seja, nos casos de controlada situada em país com o qual o Brasil mantém tratado, o art. 74 da MP nº 2.158/2001 seria inaplicável e os lucros não seriam tributáveis no Brasil.
Por sua vez, a Conselheira Edeli Pereira Bessa filiou-se à corrente de que as materialidades tributáveis do art. 74 da MP nº 2.158-2001 e do art. 7o dos tratados seriam distintas, de forma que a existência de tratado não impediria a tributação dos lucros, especialmente porque a tributação não seria do lucro no exterior, mas sim do lucro correspondente no Brasil.
Ao final, o julgamento restou empatado e, assim, os contribuintes saíram vencedores, por conta do empate favorável aos contribuintes.
2. Quais os impactos desse julgamento e quais os próximos passos?
O julgamento em questão representa um importante marco no CARF a respeito da discussão, por se tratar de uma decisão da Câmara Superior de Recursos Fiscais, que é responsável por uniformizar os entendimentos do Conselho.
Contudo, é importante destacar que o julgamento restou empatado e foi decidido favoravelmente aos contribuintes por força do que dispôs a Lei nº 19-E da Lei nº 10.522/2002. Esse dispositivo legal, no entanto, está sendo questionado no STF, nas ADIs nº 6399, nº 6403 e nº 6415.
Caso o Fisco saia vencedor nessa discussão do STF, o julgamento em questão pode ser anulado. Ainda, há entendimentos nessas ações no STF de que o Fisco poderia entrar com ações judiciais em casos que acabassem empatados no CARF. Nós já escrevemos um conteúdo completo sobre o tema, que pode ser acessado aqui.
Ou seja, trata-se de um importante precedente no CARF, mas ainda pode haver reveses contra os contribuintes, a depender do que ocorrer com o julgamento da constitucionalidade do empate pró-contribuinte.
3. Como andava a jurisprudência judicial e administrativa?
Antes do precedente que analisamos nesse conteúdo, pode-se dizer que a jurisprudência no CARF estava dividida, com uma pequena predominância do entendimento do fisco.
Havia acórdãos em ambos os sentidos, mas os entendimentos mais recentes eram no sentido de que o art. 7o dos tratados não impedia a tributação dos lucros nos termos do art. 74 da MP nº 2.158-35/2001.
A Câmara Superior de Recursos Fiscais também tinha entendimentos mais recentes desfavoráveis aos contribuintes.
Assim, pode-se dizer que o precedente em questão representou um início de reversão da tendência que anteriormente vinha se formando.
Por sua vez, na esfera judicial, os contribuintes vinham obtendo vitórias.
Como exemplo de um importante precedente judicial favorável aos contribuintes pode-se citar o REsp nº 1.325.709, que afastou a tributação de controladas situadas na Bélgica, Dinamarca e Luxemburgo, diante do art. 7o dos Tratados.
Ou seja, o precedente recente do CARF está em linha com o decidido pelo STJ e representou um início de reversão da tendência pró-fisco que vinha se formando no CARF.
4. E após a Lei nº 12.973/2014?
Um ponto importante a ser analisado é se a decisão do CARF teria efeitos após a edição da Lei nº 12.973/2014, que revogou o art. 74 da MP nº 2.158-35/2014.
Isso porque o art. 76 e art. 77 da Lei nº 12.973/2014, ao preverem a tributação do lucro das controladas, estabeleceu uma redação que vai mais de encontro com a tese do Fisco, ao estabelecer a tributação da parcela a ser reconhecida no Brasil pelo lucro apurado no balanço da empresa no exterior.
Nesse sentido, a própria Conselheira Relatora Livia de Carli Germano fez ressalvas a esse respeito dando a entender que a lógica poderia ser outra a partir da Lei nº 12.973/2014.
Com isso, abre-se a possibilidade de que os contribuintes tenham que iniciar uma nova discussão após a edição da Lei nº 12.973/2014. Ou seja, o entendimento firmado pelo CARF nesse último precedente não seria imediatamente aplicável aos fatos geradores posteriores à vigência da referida Lei nº 12.973/2014.
5. Conclusões
O recente julgamento do CARF representou um importante precedente favorável aos contribuintes, já que reverteu uma tendência desfavorável que vinha se formando no Conselho a respeito do tema.
Será necessário acompanhar os próximos julgamentos, bem como os efeitos do julgamento, no STF, do voto de empate pró-contribuinte.
Também, será necessário acompanhar como evoluirá a discussão para fatos geradores após a vigência da Lei nº 12.973/2014, que poderia representar uma alteração no entendimento favorável aos contribuintes.
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