1. Introdução
Vem de longa data a discussão a respeito da dedutibilidade, para fins de IRPJ e CSLL no lucro real, de multas impostas a empresas por parte da Administração Pública.
A discussão é relevante uma vez que as empresas, em suas atividades rotineiras, acabam por incorrer em diversas penalidades de distintas naturezas pelo descumprimento de normas ou obrigações. Seria o caso de multas de trânsito, multas de agências governamentais, como CVM, Bacen, ANEEL, ANVISA etc.
Nesses casos, muitas empresas tinham entendimento de que tais multas se inserem no contexto de suas atividades operacionais, sendo necessárias, usuais e normais. Seriam, portanto, dispêndios dedutíveis da base de cálculo do IRPJ e CSLL.
No entanto, como se sabe, já há muitos anos o Fisco apresenta uma visão distinta sobre o tema, defendendo que multas de caráter administrativo são indedutíveis para fins de apuração do IRPJ e da CSLL.
No presente conteúdo, abordaremos os principais pontos dessa longa discussão, ressaltando somente que toda a questão se aplica tão somente a multas administrativas. Ou seja, multas incorridas por descumprimento de obrigações contratuais e multas tributárias possuem outro regime aplicável. Acompanhe!
2. Entendimento da Receita Federal do Brasil
Como adiantado, a Receita Federal do Brasil já vem de longa data se posicionando no sentido de que as multas de natureza administrativa não são dedutíveis da base de cálculo do IRPJ e da CSLL.
Inicialmente, o posicionamento das Autoridades Fiscais restou formalizado no Parecer Normativo CST nº 61/1979. Em seu item 6, o Parecer Normativo analisou a dedutibilidade de despesas com multas administrativas. Entendeu-se que, como a legislação não traria qualquer disposição específica, as despesas ficariam sujeitas à análise de necessidade, normalidade e usualidade para as atividades empresariais. Nesse contexto, a RFB consignou que seria inadmissível que violações a normas de direito público pudessem ser entendidas como necessárias, usuais e normais às atividades empresariais.
Atualmente, esse entendimento está refletido no art. 133 da Instrução Normativa nº 1.700/2017, segundo o qual “as multas impostas por transgressões de leis de natureza não tributária são indedutíveis como custo ou despesas operacionais”.
É importante salientar que a legislação tributária em vigor não traz nenhum dispositivo nesse sentido.
3. Recente decisão do CARF
A 1ª Turma da Câmara Superior de Recursos Fiscais (CSRF) proferiu decisão, em julho de 2023 (acórdão nº 9101-006.652), permitindo a dedução de multa administrativa da base de cálculo do Imposto de Renda das Pessoas Jurídicas (IRPJ) e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL). No caso, discutia-se a dedutibilidade de multa imposta pelo Instituto do Meio Ambiente (IMA) do Estado da Bahia.
O Conselheiro Guilherme Adolfo dos Santos Mendes, relator do voto vencedor, fundamentou seu entendimento afirmando que o risco faria parte do negócio das empresas, e como consequência desse risco, poderiam ser observadas as multas de cunho pecuniário punitivo. Assim, para o Conselheiro, das multas impostas pela Administração Pública que se relacionem ao exercício da atividade de empresário, apenas aquelas que sejam decorrência do descumprimento de obrigações acessórias tributárias principais não seriam dedutíveis uma vez que há expressa previsão legal neste sentido.
O mesmo Conselheiro ainda mencionou outro Acórdão em que proferiu voto no qual apresentava o entendimento de que o § 5º, art. 41, da Lei nº 8.981/95, que dispõe não serem dedutíveis as multas por infrações fiscais, salvo as de natureza compensatória e as impostas por infrações de que não resultem falta ou insuficiência de pagamento de tributo, deveria ser compreendido no contexto de que as multas normalmente impostas num determinado tipo de atividade empresarial deveriam ser reconhecidas como despesas necessárias para o desempenho desta mesma atividade.
Em seu voto, o Conselheiro afirmou ser “da natureza da prática empresarial submeter-se ao imponderável, inclusive no âmbito dos deveres jurídicos. Para o exercício de atividades econômicas, é absolutamente necessário atirar-se num vasto campo do imprevisível e suportar as suas consequências, inclusive aquelas de índole punitiva. Na verdade, podemos dizer com a mais absoluta segurança que é praticamente impossível, em muitos setores econômicos, conseguir guiar um empreendimento sem arcar com multas impostas pela administração pública”.
Ainda, o Conselheiro considerou em seu voto a neutralidade do princípio da pecúnia non olet, (o dinheiro não cheira). De acordo com este princípio, deve haver imposição tributária independentemente da origem do dinheiro, ou seja, ainda que o dinheiro provenha de atos ilícitos. A neutralidade deste princípio, portanto, deve ser compreendida no sentido de que, se todo o dinheiro deve ser tributado, ainda que tenha origem ilícita, todas as despesas necessárias devem ser dedutíveis, ainda que tenham origem em ato ilícito.
Nos termos desse voto, o caso foi decidido favoravelmente ao contribuinte, por maioria de votos. Trata-se de um importante precedente da Câmara Superior sobre o tema.
4. E como vinha a jurisprudência do CARF?
Anteriormente a esse recente precedente, pode-se dizer que a jurisprudência do CARF era majoritariamente desfavorável aos contribuintes.
A própria 1ª Turma da CSRF tinha alguns precedentes desfavoráveis, entendendo-se que o fato de um determinado ato ser vedado pelo ordenamento jurídico não permitiria entender que este seria necessário, usual ou normal para as atividades da empresa (por exemplo, acórdão nº 9101-003.876 e nº 9101-003.875).
Assim, pode-se dizer que esse precedente representa uma possível reversão na tendência desfavorável da tese. Ainda é difícil atestar que será o entendimento definitivo do CARF, já que uma diferente composição pode significar uma alteração no entendimento, mas sem dúvida é um precedente relevante para os contribuintes que discutem essa tese.
5. Conclusões
Como se viu, a discussão sobre a dedutibilidade de multas não é nova. Há multos anos a Receita Federal do Brasil defende a indedutibilidade desses valores, eis que não se poderia considerar a prática de atos ilícitos como necessários às empresas. Essa tese vinha sendo acolhida pelo CARF.
Recentemente, no entanto, a 1ª Turma da CSRF prolatou uma decisão acolhendo a tese dos contribuintes, no sentido de que tais multas poderiam sim ser deduzidas da base de cálculo do IRPJ e CSLL, uma vez que o risco incorrido de descumprimento de normas seria inerente às atividades empresariais.
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