1. Introdução
Recentemente, o Supremo Tribunal Federal julgou a exclusão do ICMS na base de cálculo do PIS e da COFINS, dando ganho de causa aos contribuintes.
Como se sabe, a tese vinha sendo chamada de “tese do século” pelo grande valor envolvido nas inúmeras ações com as quais ingressaram contribuintes ao redor do Brasil.
Esse enorme efeito financeiro para as empresas que ingressaram com suas ações trouxe à tona um debate anterior: qual seria o momento correto para o reconhecimento da receita relativa ao indébito fiscal reconhecido?
Neste guia, abordaremos os principais aspectos da discussão.
2. Posição da Receita sobre a Tributação do Indébito Fiscal
Pode-se dizer que o principal dispositivo legal para análise da questão é o artigo 53 da Lei nº 9.430/96, segundo o qual os valores recuperados de custos e despesas devem ser adicionados ao lucro presumido ou arbitrado, caso tenha deduzido tais valores em períodos anteriores.
Como se observa, o dispositivo trata do lucro presumido e visa dar neutralidade para a recuperação de custos. Ou seja, caso o contribuinte, sujeito ao lucro presumido, tenha deduzido os custos e despesas recuperados em períodos anteriores, por apurar o IRPJ pelo lucro real, então o valor recuperado deve ser adicionado ao lucro presumido no período em que obtido.
A Receita Federa do Brasil, por meio de seu primeiro entendimento a respeito do tema, a Solução de Divergência Cosit nº 19/2003, entendeu que, para fins do lucro real, a interpretação desse dispositivo indicaria o seguinte:
(i) A recuperação de custos e despesa seria tributável quando da disponibilidade jurídica ou econômica da renda oriunda de tal recuperação; e
(ii) A recuperação de custos e despesa somente seria tributável se tais valores tivessem sido deduzidos do lucro real em períodos anteriores.
Assim, na visão da Receita Federal do Brasil, os valores de recuperação de tributos que foram deduzidos da base do IRPJ e CSLL são tributáveis quando de sua recuperação.
Essa Solução de Divergência, posteriormente, fundamentou a edição do Ato Declaratório Interpretativo nº 25/2003, com o mesmo teor.
3. O Momento da Tributação da Receita
Talvez o ponto mais polêmico e complexo da questão seja qual o momento do reconhecimento da receita oriunda da recuperação de tributos na via judicial.
A referida Solução de Divergência nº 19/2003 também abordou a questão e segregou três hipóteses, a da sentença judicial líquida, da sentença ilíquida com execução do contribuinte e embargos da fazenda e da expedição de precatório após execução do contribuinte sem embargos da fazenda, da seguinte forma:
(i) Sentença líquida: segundo a Solução de Divergência nº 19/2003, a sentença que dá ganho de causa ao contribuinte e já delimita o valor a ser restituído constitui disponibilidade jurídica da renda quando do trânsito em julgado;
(ii) Sentença ilíquida com execução do contribuinte e embargos da fazenda: na hipótese de sentença ilíquida executada judicialmente com embargos da fazenda alegando excesso de execução, a disponibilidade jurídica da renda existiria a partir do trânsito em julgado da sentença que julga os embargos da fazenda;
(iii) Sentença ilíquida com execução do contribuinte sem embargos da fazenda: nessa hipótese, a disponibilidade jurídica da renda estaria presente, segundo a Solução de Divergência nº 19/2003, a partir da expedição do precatório.
4. E no caso de obtenção de decisão judicial para aproveitamento do crédito na esfera administrativa?
Como se viu, a posição da Receita Federal abrangeu especialmente casos em que o pagamento se daria na esfera judicial, ou nos casos em que a própria sentença já definisse o valor da condenação.
No entanto, na expressiva maioria dos casos, os contribuintes não obtêm sentenças já líquidas e optam pelo aproveitamento do crédito na esfera administrativa, com pedidos de restituição ou de compensação.
De fato, tomando como exemplo os créditos oriundos das ações de ICMS na base do PIS e da COFINS, sabe-se que a esmagadora maioria dos contribuintes não optaram por executar judicialmente os créditos e aguardar um precatório, mas sim já ir compensando tais créditos com débitos vincendos de tributos federais.
Essa hipótese restou abordada somente ao final da Solução de Divergência nº 19/2003. A Receita Federal, nessa ocasião, manifestou seu entendimento no sentido de que a sentença judicial que declara o direito à compensação é título executivo líquido e certo. Dessa forma, o valor da recuperação seria tributável quando do trânsito em julgado de tal sentença.
Essa posição da Receita Federal causa dúvidas até hoje. Ou seja, ainda ano presente momento, pode-se indagar: em caso de sentença ilíquida a ser aproveitada mediante compensação, qual seria o momento da disponibilidade jurídica da renda?
O que se pode afirmar com certeza é que a postura mais conservadora seria a de seguir a orientação da Receita Federal do Brasil, reconhecendo-se a receita relativa ao indébito quando do trânsito em julgado da sentença que reconhece o direito à compensação deste.
No entanto, diversas empresas vêm levantando questionamento a respeito do assunto. Basicamente, são levantados outros três momentos como possíveis para o reconhecimento da receita relativa ao indébito fiscal:
(i) O momento da habilitação do crédito perante as autoridades fiscais, o que ocorre posteriormente ao trânsito em julgado;
(ii) O momento da compensação efetiva dos créditos, o que ocorre após a habilitação, à medida de sua utilização; e
(iii) O momento da homologação das compensações realizadas;
Como se pode inferir, o momento menos interessante para os contribuintes seria o primeiro, já que o recolhimento do IRPJ e CSLL se daria mais cedo. Por sua vez, o entendimento mais interessante para os contribuintes seria o da disponibilidade jurídica quando da homologação das compensações, já que importaria o reconhecimento da receita somente quando os créditos fossem analisados e deferidos pelo Fisco, o que, na prática, pode se dar muitos anos após o trânsito em julgado.
Em relação à habilitação como momento do reconhecimento da receita, seria de se ressaltar que a própria Instrução Normativa nº 1.717/2017 estabelece que a habilitação é tão somente o procedimento de averiguação de existência do crédito, não implicando qualquer reconhecimento do direito ou homologação de compensação. Dessa forma, seria defensável que não há qualquer evento relevante na habilitação para justificar o reconhecimento da receita.
Por sua vez, o reconhecimento da receita no momento da compensação seria mais defensável, eis que, nesse momento, há a efetiva utilização do crédito. Ademais, vale lembrar que a compensação tributária extingue o débito, ainda que sob condição da homologação posterior, gerando todos os efeitos desde sua apresentação.
Por fim, quanto ao reconhecimento somente quando da homologação, também se tem uma possibilidade defensável, já que somente após tal ato o contribuinte tem certeza de que sua compensação foi devidamente realizada. Há decisões judiciais nesse sentido.
De toda forma, como mencionamos, o mais conservador seria seguir a posição da Receita Federal do Brasil, de reconhecimento da receita já a partir do trânsito em julgado.
5. E se no período da dedução da despesa a empresa apurou prejuízo fiscal?
Uma outra questão relevante recentemente explorada na Solução de Consulta nº 92/2021 se refere à possibilidade de o contribuinte imputar ao prejuízo fiscal e base de cálculo negativa da CSLL a recuperação de custos e despesas oriundas de decisão judicial.
Explicando a questão, na consulta formulada, o contribuinte informou que deduziu o PIS e a COFINS da base do IRPJ e CSLL. Posteriormente, obteve o reconhecimento do direito de excluir o ICMS da base das contribuições, o que reduziria essas despesas anteriormente reconhecidas. No entanto, conforme informado pelo contribuinte, em alguns desses períodos, apurou prejuízo fiscal e base de cálculo negativa de CSLL.
Nesse sentido, considerando que o racional da Receita Federal sempre foi o de que o custo ou despesa deduzido em um período e recuperado futuramente deveria ser tributado, a fim de “neutralizar” os efeitos da decisão judicial, então no período em que o custo ou despesa somente majorou o prejuízo fiscal e base negativa, seria defensável que sua recuperação pudesse apenas reduzir os estoques desses prejuízos fiscais e bases negativas.
No entanto, a Receita Federal se manifestou contrariamente à pretensão do contribuinte. O argumento foi o de que o reconhecimento da receita se daria no exercício presente, e não imputando a recuperação aos exercícios passados. Por essa razão, não seria possível diminuir os prejuízos fiscais e bases negativas de CSLL anteriormente acumulados.
Novamente, ainda que a questão possa ser discutível, o mais conservador é seguir a orientação da Receita Federal do Brasil nesse ponto.
6. Conclusões
Diante do exposto, podemos concluir o seguinte:
(i) As recuperações de custo ou despesas deduzidas em período anterior da base de cálculo do IRPJ e CSLL são tributáveis;
(ii) Nas sentenças líquidas, o momento do reconhecimento da receita é o trânsito em julgado;
(iii) Nas sentenças ilíquidas com execução do contribuinte e embargos da fazenda, o momento do reconhecimento da receita é o trânsito em julgado da sentença que julga os embargos;
(iv) Nas sentenças ilíquidas com execução do contribuinte e sem embargos da fazenda, o momento do reconhecimento da receita é a expedição do precatório;
(v) Nas sentenças que reconhecem o direito à compensação, a Receita Federal entende que o momento do reconhecimento da receita é o trânsito em julgado. Esse entendimento, no entanto, vem sendo questionado judicialmente por contribuintes, que defendem especialmente que seria a compensação ou a homologação desta; e
(vi) Nos períodos em que a despesa foi deduzida e apurou-se prejuízo fiscal e base negativa de CSLL, a Receita Federal entende que a recuperação não pode ser reconhecida para reduzir esses prejuízos e bases negativas, devendo ser reconhecido no exercício presente.
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