A questão relacionada ao ágio, e os possíveis reflexos fiscais dele decorrentes, tem sido, já há vários anos, pauta de discussões tributárias.
Apresentaremos, neste artigo, um guia a respeito do ágio, além das discussões ainda pendentes sobre o assunto, bem como recentes decisões e entendimentos manifestados pelo fisco e tribunais.
Nós já fizemos diversos posts a respeito do ágio, anos atrás, apresentando alguns de seus aspectos mais controvertidos (leia aqui: Aspectos ainda controvertidos do ágio), decisões relevantes prolatadas sobre o assunto (leia aqui: STJ julga caso de ágio interno – qual a relevância dessa decisão?, TRF4 julga caso de ágio interno). No presente artigo, apresentaremos, também, atualizações sobre as controvérsias relacionadas ao ágio. Acompanhe.
O que é ágio?
Ágio é um conceito bastante amplo, e que pode ser aplicado em diferentes contextos. No geral, se refere a ao valor adicional que alguém paga em uma negociação, por expectativa de benefícios futuros. Esta negociação pode ter ocorrido no contexto financeiro, de imóveis, de bens ou direitos, por exemplo.
Para fins tributários, o tema que mais gera discussão é relativo ao ágio pago em operações que envolvem participações societárias. Neste caso, o ágio seria a diferença, em uma negociação dessa participação societária, entre o valor justo dos ativos e passivos da empresa e o preço efetivamente pago pela aquisição.
De acordo com a redação original do art. 20 do Decreto-lei nº 1.598/77, no momento da aquisição de participação societária em coligada ou controlada, a empresa adquirente deveria desdobrar o custo de aquisição em (i) valor de patrimônio líquido na época da aquisição e (ii) valor do ágio ou deságio na aquisição, sendo este último a diferença entre o custo de aquisição do investimento e o valor do patrimônio líquido.
De acordo com a redação original do mencionado artigo, portanto, ágio seria a expectativa de rentabilidade futura esperada, correspondendo à diferença entre o patrimônio líquido da empresa adquirida e o real preço do negócio.
Do ponto de vista fiscal, somente a partir da publicação da Lei nº 9.532/97 é que passou a estar expressamente prevista a possibilidade de amortização do ágio. Posteriormente, com a adoção dos padrões internacionais de contabilidade pelo Brasil, a sistemática sofreu relevantes alterações.
Atualmente, os efeitos fiscais do ágio são disciplinados pela Lei nº 12.973/2014, que trouxe relevantes alterações à época sobre a sistemática do ágio, vedando, por exemplo, o aproveitamento fiscal de ágio entre partes relacionadas, bem como estabelecendo que o ágio corresponderia somente à parcela que excedesse o valor justo de ativos e passivos da adquirida (anteriormente, o ágio poderia corresponder ao total da diferença entre o valor pago e o valor contábil – não o valor justo – desses ativos e passivos).
Reflexos tributários do ágio hoje
De forma geral, após a adoção dos novos padrões de contabilidade pelo Brasil, o ágio deixou de ser sujeito à amortização na contabilidade, ficando apenas e tão somente sujeito a teste de recuperabilidade, ou impairment test.
Apesar de não ter seu valor reduzido no tempo, salvo por aplicação do teste de recuperabilidade, a legislação tributária estabeleceu que o contribuinte que absorvesse o patrimônio da investida na qual tivesse ágio registrado pela aquisição da participação societária pudesse deduzir esse ágio da base de cálculo do IRPJ e da CSLL em um período mínio de cinco anos, ou seja, deduzindo 1/60 do valor do ágio por mês.
Assim, na prática, as empresas brasileiras que adquirem participação societária podem se aproveitar do benefício de aproximadamente 34% (alíquota nominal do IRPJ e CSLL) sobre o valor pago que superar o valor justo de ativos e passivos da investida, logo após haver a confusão patrimonial entre investidora e investida, seja por meio de cisão, incorporação ou fusão.
Atualizações sobre discussões envolvendo ágio
- Empresa Veículo
Questão bastante discutida no contexto de aproveitamento de ágio diz respeito à utilização da chamada “empresa veículo”. Esta situação ocorre quando uma empresa é constituída para que, através dela, seja canalizado o investimento. Posteriormente, a investida é incorporada pela empresa veículo ou a incorpora.
Nestas hipóteses, a Receita Federal do Brasil (RFB) considera que não seria possível o aproveitamento de ágio para fins fiscais, uma vez que a lei exigiria que a investida tivesse seu patrimônio absorvido pelo real investidor que pagou o ágio. Na visão da RFB, o real investidor seria o detentor original dos recursos que, em muitos casos, é uma empresa estrangeira, inclusive.
O Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF) já proferiu decisões em ambos os sentidos, seja permitindo a utilização do ágio, seja vedando. Apesar disso, pode-se dizer que vinha prevalecendo a tese desfavorável aos contribuintes.
Porém, em de maio de 2024, o STJ analisou um caso que envolvia empresa veículo e manteve a possibilidade de aproveitamento do ágio. Neste caso, a RFB havia glosado a amortização do ágio para fins fiscais, sob os argumentos de não haver propósito negocial nas operações realizadas (e que deram origem ao ágio) e de ter sido utilizada empresa veículo na operação.
Os Ministros do STJ haviam entendido que a operação de incorporação entre empresa investidora e empresa investida efetivamente ocorreu. Tendo ocorrido, seria possível a dedutibilidade do ágio. O entendimento foi manifestado nos autos do REsp 2026473.
Importante mencionar que a operação em julgamento havia sido realizada em 2004, ou seja, antes da alteração legislativa já mencionada, que buscou a adoção dos padrões internacionais de contabilidade pelo Brasil.
- Ágio na subscrição de ações
Outro ponto que deu origem a discussões diz respeito ao ágio verificado na subscrição de ações.
Isso porque a legislação estabelece que o ágio somente seria gerado para fins fiscais em casos de aquisição de participação societária.
Diante disso, surgiram dúvidas a respeito da interpretação da lei, especialmente se o termo “aquisição” englobaria a subscrição de capital em que o investidor recebe novas ações da investida.
Nesse caso, o CARF já entendeu, em ao menos um precedente, que a subscrição de capital tem natureza de uma aquisição de participação societária para fins de autorizar o registro e amortização do ágio (vide Acórdão nº 105-16.774)
- Ágio em aquisições de participação minoritária
Outro ponto que gera discussão é a possibilidade de registrar ágio em aquisições de participação minoritária, seja antes ou depois de já ter o controle da investida.
A RFB já entendeu, na Solução de Consulta Cosit nº 39/2020 que o ágio para fins fiscais deve seguir estritamente seu registro de acordo com os normativos contábeis, no caso, o Pronunciamento Técnico do Comitê de Pronunciamentos Contábeis nº 15 (CPC 15).
Nesse sentido, como o CPC 15 estabelece que somente em caso de aquisição de controle o ágio será registrado para fins contábeis, a RFB entendeu que somente haveria ágio amortizável para fins fiscais no caso de aquisição de controle, excluindo, portanto, a aquisição de participação minoritária.
No entanto, os especialistas apontam que o fundamento jurídico do ágio para fins fiscais não é a contabilidade, mas sim o art. 20 do Decreto-Lei nº 1.598/1976, que determina o desdobramento do custo de aquisição em valor patrimonial, mais ou menos valia de ativos e passivos e ágio sempre que houver a aquisição de participação societária relevante – normalmente a partir de 20% do capital da investida.
Assim, para fins fiscais, o ágio surgiria sempre que houvesse uma aquisição de participação tida como relevante, e não necessariamente na aquisição de controle, como determinam as normas contábeis.
- Ágio em incorporação de ações
Outra operação que gerou dúvidas em relação ao ágio é a incorporação de ações.
A incorporação de ações é a operação societária em que uma sociedade adquire a totalidade das ações de outra, que se torna sua subsidiária integral. Em contrapartida, os acionistas da sociedade que teve as ações incorporadas recebem novas ações emitidas pela sociedade incorporadora.
A diferença principal para uma incorporação tradicional é a de que a sociedade que teve as ações incorporadas segue existindo, ao passo que na incorporação tradicional a incorporada deixa de existir.
Como se observa, na incorporação de ações, a sociedade incorporadora adquire as ações da sociedade que teve as ações incorporadas, retribuindo com suas novas ações emitidas em favor dos antigos acionistas da sociedade que teve as ações incorporadas.
A RFB vinha manifestando entendimento no sentido de que a incorporação de ações não representaria um sacrifício patrimonial apto a gerar ágio aproveitável para fins fiscais para a sociedade incorporadora.
No entanto, o CARF tem julgado alguns casos dando ganho de causa ao contribuinte, entendendo que a incorporação de ações seria uma forma de aquisição para fins de geração do ágio (vide, por exemplo, Acórdão nº 9101-007.299, de 21/03/2025).
Conclusões
Como se observa, o ágio é um tema extremamente complexo e, ao mesmo tempo, extremamente relevante para as empresas. É muito importante estar atento às discussões e evoluções sobre um tema tão dinâmico e que sempre gera novidades na área tributária.
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