Recentemente, a Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) manifestou entendimento a respeito do direito ao crédito de ICMS relativo à aquisição de produtos intermediários. Abordaremos este assunto, bem como a recente decisão, no presente artigo, acompanhe.
Qual a origem da discussão?
A discussão relativa ao direito de crédito decorrente da aquisição de insumos intermediários para fins de ICMS não é nova. Nós já havíamos noticiado uma decisão favorável aos contribuintes sobre este assunto antes (leia aqui: ICMS – insumo consumido indiretamente no ciclo produtivo).
As autoridades fiscais já há muitos anos defendem o entendimento de que somente podem dar direito a créditos de ICMS os insumos que sejam consumidos no processo produtivo empresarial de forma direta e imediata, ou que tenham contato com o produto final durante o processo produtivo. Não havendo incorporação física ao produto final, os bens adquiridos deveriam ser considerados como “bens de uso e consumo”, que não geram direito a créditos de ICMS.
Por outro lado, os contribuintes entendem que este conceito é restritivo demais, uma vez que deveriam ser tomados créditos, também, dos insumos conhecidos por indiretos, que são aqueles que, apesar de não integrarem nem entrarem em contato direto com o produto final, são caracterizados como itens essenciais ao seu processo produtivo, servindo, assim, para o desenvolvimento da atividade fim empresarial.
Mesmo na doutrina não havia consenso a respeito da possibilidade, ou não, de aproveitamento de créditos quando da aquisição de produtos intermediários. Parcela da doutrina entende que o conceito de insumos que geram créditos de ICMS deve ser próximo ao conceito de insumos que geram créditos de IPI (conceito este que, de acordo com o Regulamento do IPI, abrange “matéria-prima, produto intermediário e material de embalagem, adquiridos para emprego na industrialização de produtos tributados, incluindo-se, entre as matérias-primas e os produtos intermediários, aqueles que, embora não se integrando ao novo produto, forem consumidos no processo de industrialização, salvo se compreendidos entre os bens do ativo permanente”). Ou seja, parcela da doutrina defende um entendimento mais restritivo do conceito de insumos para fins de creditamento de ICMS.
Já para outra parcela, o conceito de insumos deve ser mais amplo, pois a Lei Complementar n. 87/96 veda, apenas, que sejam creditadas “as entradas de mercadorias ou utilização de serviços resultantes de operações ou prestações isentas ou não tributadas, ou que se refiram a mercadorias ou serviços alheios à atividade do estabelecimento”. Assim, pelos termos da lei, podem dar direito ao crédito as aquisições de todas as mercadorias e serviços compreendidos nas atividades do estabelecimento.
A própria jurisprudência do STJ variava em relação aos requisitos necessários para caracterização dos bens adquiridos como insumos intermediários, que dão direito aos créditos, ou bens de uso ou consumo, que não dão. Neste sentido, em dezembro de 2023 o STJ proferiu relevante decisão sobre o assunto, nos autos do EAREsp 1775781 / SP. Naquela oportunidade, a Primeira Seção decidiu que “à luz das normas plasmadas nos arts. 20, 21 e 33 da Lei Complementar n. 87/1996, revela-se cabível o creditamento referente à aquisição de materiais (produtos intermediários) empregados no processo produtivo, inclusive os consumidos ou desgastados gradativamente, desde que comprovada a necessidade de sua utilização para a realização do objeto social da empresa – essencialidade em relação à atividade-fim.”
O que decidiu o STJ recentemente?
O Recurso em comento, o Agravo em Recurso Especial n. 2621584, chegou ao STJ depois de o juízo de 1º grau e o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ) terem decidido pela possibilidade de aproveitamento de créditos decorrentes da aquisição de produtos intermediários que são usados pelo contribuinte em sua atividade fim.
O TJRJ havia entendido ter ficado comprovado, no processo, que o produto em questão integraria diretamente a cadeia produtiva do contribuinte, e, portanto, teria natureza jurídica de insumo que gera direito aos créditos de ICMS.
O Estado do Rio de Janeiro alegou, perante o STJ, que, como os insumos não são incorporados ao produto final, devem ser considerados como “bens de uso e consumo”, sem direito a créditos de ICMS.
O Ministro Francisco Falcão, relator do caso, apresentou voto informando que a decisão proferida pelo TJRJ estaria em conformidade com a jurisprudência do STJ. Isto porque o próprio STJ entende que, desde a vigência da Lei Complementar n. 87/96, “é legal o aproveitamento de créditos de ICMS na compra de produtos intermediários utilizados nas atividades fins da sociedade empresária, ainda que consumidos ou desgastados gradativamente, desde que necessária à sua utilização para a realização do objeto social da empresa.”
Conclusão
A jurisprudência do STJ, inclusive a recente decisão mencionada, parece demonstrar que este Tribunal vem decidindo pela tese dos contribuintes, adotando um conceito mais alargado de insumos creditáveis para fins de ICMS.
Contudo, ainda não há decisão vinculante proferida sobre o assunto, sendo possível aos fiscos estaduais questionar a tese. Inclusive, como se viu nesse caso e como se sabe ser prática, os fiscos estaduais não vêm adotando a tese dos produtos intermediários.
Por essa razão, a consolidação que o STJ vem tendo sobre o tema é de extrema importância. Vale salientar que, inclusive, que as decisões do STJ não restringiram o entendimento a nenhum marco temporal específico (isto é, não modularam os efeitos da decisão), como vem sendo comum em temas tributários.
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