O Supremo Tribunal Federal, em fevereiro de 2021, decidiu, em duas ações, que é inconstitucional a cobrança do Diferencial de Alíquota (“DIFAL”) sem que houvesse Lei Complementar regulamentando a matéria.

Nesse artigo, traremos um pouco do histórico da discussão e do que foi decidido pelo Supremo Tribunal Federal.

Histórico

Inicialmente, para contextualizar a discussão, sabe-se que a economia foi e tem sido altamente revolucionada pela mudança dos paradigmas tecnológicos. Nesse contexto, talvez umas das alterações mais perceptíveis em relação ao consumo tenha sido o grande fortalecimento do comércio eletrônico, inclusive em substituição a lojas físicas e comércios locais.

Essa relevantíssima alteração dos padrões de consumo da população também teve impactos diretos na distribuição da arrecadação tributária dos Estados.

Isso porque, se antes a população adquiria produtos em geral exclusivamente por meio do comércio local, com o comércio eletrônico, é possível comprar produtos de empresas situadas em quaisquer lugares do território nacional.

O impacto desse cenário em relação à questão fiscal e distributiva entre Estados se dá porque o ICMS, antes, no comércio com não contribuintes do imposto, era devido no local da venda, ou seja, no estabelecimento situado no Estado onde também residiria o comprador.

Com o comércio eletrônico, toda essa premissa é drasticamente alterada. Isso porque o comprador não necessariamente precisaria recorrer ao comércio local, mas poderia adquirir de vendedores situados em quaisquer Estados, de forma que o ICMS, nesse caso, seria devido no local do estabelecimento vendedor.

Nesse contexto, sabemos que o Brasil é um país marcado por severas desigualdades regionais, de forma que boa parte do comércio eletrônico se estabeleceu nos Estado do Sudeste, especialmente em São Paulo, o que fez com que, por um tempo, o ICMS devido nas comprar de consumidores finais ficasse, em grande parcela, devido nesse Estado, em detrimento dos demais.

Esse cenário gerou inconformismo, notadamente pelos estados do Norte, Nordeste e Centro-Oeste, o que fez com que o Conselho Nacional de Política Fazendária editasse o Protocolo ICMS nº 21/2011, que determinava que o ICMS seria parcialmente devido no Estado de destino da mercadoria. O Protocolo em questão foi assinado por Acre, Alagoas, Amapá, Bahia, Ceará, Espírito Santo, Goiás, Maranhão, Mato Grosso do Sul, Pará, Paraíba, Pernambuco, Piauí, Rio Grande do Norte, Roraima, Rondônia, Sergipe e pelo Distrito Federal.

Sob a vigência do Protocolo ICMS nº 21/2011, os Estados signatários passaram a exigir o ICMS na barreira de seus territórios, gerando enormes problemas para os contribuintes e para os adquirentes das mercadorias.

A questão chegou ao STF, por meio de ação proposta pela Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC) e pela Confederação Nacional da Indústria (CNI). Na ocasião do julgamento, o representante jurídico do Estado do Pará destacou que, em 2013, o comércio eletrônico já movimentava cerca de R$ 28 bilhões no Brasil, de forma que o Protocolo ICMS nº 21/2011 somente estabelecia uma forma de repartição justa de tal riqueza.

Apesar desse argumento, o Protocolo restou julgado inconstitucional, em setembro de 2014. Na ocasião, o Ministro Gilmar Mendes reconheceu a necessidade de se partilhar as riquezas entre os Estados, mas que isso não seria suficiente para validar a norma em questão.

O inconformismo dos Estados de forma geral, então, fez com que, em abril de 2015, fosse promulgada a Emenda Constitucional nº 87/2015, que estabeleceu a partilha do ICMS em operações interestaduais nos casos de venda a consumidor final, da seguinte forma:

  • Em 2015, 20% do ICMS seria destinado ao Estado de destino e 80% ao Estado de Origem;
  • Em 2016, 40% do ICMS seria destinado ao Estado de destino e 60% ao Estado de Origem;
  • Em 2017, 60% do ICMS seria destinado ao Estado de destino e 40% ao Estado de Origem;
  • Em 2018, 80% do ICMS seria destinado ao Estado de destino e 20% ao Estado de Origem; e
  • A partir de 2019, 100% do ICMS seria para o Estado de destino.

De certa forma, pode-se dizer que a proposta defendida pelos Estados signatários do Protocolo ICMS nº 21/2011 restou atendida pela Emenda Constitucional nº 87/2015.

Posteriormente, o CONFAZ regulamentou o disposto na Emenda Constitucional nº 87/2015, por meio do Convênio ICMS nº 93/2015.

A questão que se colocou posteriormente à referida Emenda Constitucional se referiu à necessidade de edição de uma Lei Complementar para dispor sobre a forma de cobrança do ICMS em questão. É essa a questão julgada pelo Supremo Tribunal Federal recentemente, que passamos a tratar em maiores detalhes.

Inconstitucionalidade da Cobrança do Diferencial de Alíquota sem a Edição de Lei Complementar

Como adiantamos, depois de muita discussão, a questão da repartição do ICMS em operações interestaduais com consumidores finais, foi editada a Emenda Constitucional nº 87/2015, dispondo sobre tal divisão.

No entanto, os contribuintes passaram a alegar que seria necessária uma Lei Complementar para dispor sobre a cobrança. Essa foi a discussão que chegou ao STF, em dois processos, na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 5.469, relatada pelo Ministro Dias Toffoli, e no Recurso Extraordinário nº 1.287.019, relatado pelo Ministro Marco Aurélio.

Na Ação Direta de Inconstitucionalidade, o Relator entendeu que cabe à Lei Complementar definir conflitos de competência em matéria tributária e dispor sobre bases de cálculo, contribuintes etc.

Nesse contexto, na visão do Ministro Dias Toffoli, seria de rigor uma Lei Complementar dispondo acerca da cobrança do diferencial de alíquota, nos termos dispostos pela Emenda Constitucional nº 87/2015, já que a Lei Complementar nº 87/1996 não disporia sobre o tema. O Ministro afirmou que não se inferiria da Lei Complementar nº 87/1996 “(i) quem é o contribuinte dessa exação, isto é, se é o remetente ou o destinatário; (ii) se há ou não substituição tributária na hipótese; (iii) quem deve ser considerado o destinatário final (…); (iv) quando ocorre o fato gerador da nova obrigação (…); (v) onde ocorre o fato gerador, para efeito da cobrança da exação”.

O Ministro Dias Toffoli também pontuou, na linha da relevância da ausência de Lei Complementar dispondo sobre o diferencial de alíquota, que tal falta vem causando conflitos federativos, já que alguns Estados vinham adotando o conceito de destinatário jurídico (como Pernambuco e Santa Catarina), ao passo que outros adotaram o conceito de destinatário físico (São Paulo, Paraná e Rondônia).

Diante de todo esse contexto, o Ministro Dias Toffoli entendeu que o Convênio ICMS nº 93/2015 não poderia ser considerado suficiente para suprir a ausência da Lei Complementar a dispor sobre o diferencial de alíquota.

Já no Recurso Extraordinário nº 1.287.019, relatado pelo Ministro Marco Aurélio, que teve julgamento conjunto com a Ação Direta de Inconstitucionalidade acima mencionada, entendeu-se que a Emenda Constitucional nº 87/2015 não exauriu as disposições a respeito da cobrança do diferencial de alíquota, de forma que caberia à Lei Complementar tal papel.

Nesse contexto, entendeu-se que o Convênio ICMS nº 93/2015 não poderia suprir a ausência de Lei Complementar, fixando-se a tese de que “a cobrança do diferencial de alíquota alusivo ao ICMS, conforme introduzido pela Emenda Constitucional nº 87/2015, pressupõe edição de lei complementar veiculando normas gerais”.

Modulação dos Efeitos da Decisão que Considerou a Cobrança Inconstitucional

Na Ação Direta de Inconstitucionalidade relatada pelo Ministro Dias Toffoli houve a modulação dos efeitos da decisão.

Como se sabe, nas ações ajuizadas diretamente no STF, é possível que o próprio Tribunal defina um prazo para que suas decisões passem a gerar efeitos, caso entendam presente um relevante interesse público.

Nesse caso, ponderou-se que os Estados vêm exigindo o diferencial de alíquota desde a promulgação da Emenda Constitucional nº 87/2015, concluindo-se que a ausência de modulação importaria situação sobremaneira grave aos Estados e Distrito Federal.

Assim, o Supremo Tribunal Federal modulou os efeitos da decisão que reputou inconstitucional a cobrança do diferencial de alíquota para 2022 (exceto em relação a contribuintes do Simples, que já tem efeitos desde já). Ou seja, até 2022, a cobrança do diferencial de alíquota, nos moldes instituídos pelo Convênio ICMS nº 93/2015, permanece válida.

É importante destacar, contudo, que os contribuintes que ingressaram com ações judiciais antes da decisão estão excepcionados da modulação dos efeitos. Ou seja, para aqueles que ingressaram com a ação antes de fevereiro de 2021, os efeitos da declaração de inconstitucionalidade serão plenos, desde a edição do Convênio ICMS nº 93/2015, havendo indébito a ser restituído desde então.

Nesse ponto, é válido mencionar que a Taxcel pode auxiliar na apuração de créditos fiscais, facilitando muito a visualização das informações enviadas pelo SPED (nesse caso, pela EFD-ICMS/IPI). Ou seja, a ferramenta pode ser utilizada pelos contribuintes que ingressaram com ações para facilmente verificar os montantes pagos e quantificar seus créditos. Também é possível realizar a retificação das obrigações acessórias para corresponder à decisão do Supremo Tribunal Federal e manter todas as declarações em conformidade.

Inclusive, se precisar de maiores detalhes sobre aspectos relativos ao EFD-ICMS/IPI após a declaração de inconstitucionalidade do diferencial de alíquota, já escrevemos um conteúdo sobre o tema, que pode ser acessado aqui.

Próximos Passos

Como explicamos, o diferencial de alíquota foi julgado inconstitucional até que seja editada uma Lei Complementar nesse sentido.

Todavia, os Estados poderão continuar cobrando o diferencial até 2022, independentemente da edição de qualquer Lei Complementar.

Nesse cenário, é importante mencionar que já há dois Projetos de Lei Complementar visando a regulamentar a questão (PLP nº 218 e nº 325).

No contexto atual de pandemia e ajuste fiscal, é difícil imaginar que algum desses projetos (ou um terceiro ainda a ser apresentado) não vingará no Congresso até 2022. Sabe-se que o tema é de extrema relevância para os Estados e os impactos econômicos de uma não edição de Lei Complementar até tal data são imensuráveis.

Assim, pode-se dizer que a expectativa é a de que haja uma Lei Complementar até 2022 para dispor sobre o diferencial de alíquota. Dessa forma, os contribuintes que não ingressaram com a ação provavelmente não terão nenhum efeito advindo das decisões que mencionamos.

Por outro lado, os contribuintes que ingressaram com ações poderão usufruiu dos créditos de até cinco anos anteriores à propositura de suas ações (que possivelmente corresponde a todo o período), bem como dos créditos relativos aos montantes pagos no curso da ação. Ainda, tais contribuintes não serão obrigados ao recolhimento do diferencial de alíquota até que sobrevenha uma Lei Complementar em questão.


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