Recentemente, foram lançados dois programas no âmbito fiscal com propósito de ampliar o diálogo entre o fisco e os contribuintes e evitar os litígios fiscais tão comuns no Brasil. Trataremos destes programas no presente artigo, acompanhe.
Quais os objetivos dos Programas?
A Secretaria Especial da Receita Federal lançou os programas “Receita de Consenso” e o “Receita Soluciona”, por meio, respectivamente, das Portarias da Receita Federal do Brasil (RFB) nº 467/2024 (Portaria RFB nº 467/2024) e 466/2024 (Portaria RFB nº 466/2024). Como já mencionado, ambos os programas foram instituídos como meios para incrementar a função de orientação da RFB, inclusive como forma de aumentar a segurança jurídica e reduzir a quantidade de litígios fiscais.
Apresentaremos as principais características de cada um dos Programas abaixo.
Receita de Consenso
O programa Receita de Consenso foi instituído com o objetivo de evitar “que conflitos acerca da qualificação de fatos tributários ou aduaneiros relacionados à RFB se tornem litigiosos”, o que será realizado por meio da utilização de técnicas de consensualidade.
Na prática, o Receita de Consenso será um procedimento administrativo iniciado pelo contribuinte por meio do qual este contribuinte e as autoridades fiscais buscarão um consenso a respeito de algum tema tributário que poderia se tornar futuramente litigioso. A Portaria estabelece que somente os contribuintes com altos padrões de conformidade poderão ingressar com o pedido (esses padrões ainda pendem de maiores definições).
O Receita de Consenso é fundamentado, nos termos da Portaria RFB nº 467/2024, nos princípios da imparcialidade, da voluntariedade, da boa-fé mútua, da prevenção e solução consensual de controvérsias e do cumprimento das soluções acordadas.
Para processar os pleitos, foi instituído o Centro de Prevenção e Solução de Conflitos Tributários e Aduaneiros (Cecat) na RFB, que será o centro responsável pela prevenção e solução de conflitos fiscais que não sejam objeto de processo administrativo ou judicial. O Cecat deverá, além de receber e admitir as demandas dos contribuintes, analisar e resolver as matérias, em ambiente consensual e dialógico.
O Receita Consenso pode ocorrer tanto em procedimento fiscal, na hipótese de divergência em relação ao entendimento preliminar do fisco, quanto na ausência de procedimento fiscal, para definição da consequência tributária ou aduaneira de determinado negócio jurídico. Isso significa que o procedimento poderia ser instaurado tanto em fase de fiscalização quanto antes disso.
O Receita Consenso não admitirá demandas nas quais haja indícios de: (i) sonegação, fraude ou conluio; (ii) crimes contra a ordem tributária; (iii) crimes de descaminho ou contrabando; (iv) infrações puníveis com pena de perdimento. A Portaria ainda veda que sejam objeto do Receita de Consenso os fatos geradores cujo prazo de decadência para lançamento do crédito tributário seja inferior a 360 dias, contado da data do requerimento.
O Cecat analisará a demanda apresentada, e terá autonomia para verificação do caso concreto, desde que sejam respeitados os atos normativos e interpretativos vinculantes da RFB.
Caso seja alcançado consenso entre a RFB e o contribuinte interessado, o Cecat deverá elaborar termo de consensualidade para deslinde do caso, podendo, inclusive, ser indicada proposta de edição de ato pela RFB ou de revisão de ato editado.
O termo de consensualidade será, então, encaminhado aos participantes do procedimento consensual para que haja manifestação de concordância, proposta de revisão, ou, ainda, alegação de fato superveniente que possa alterar a solução do caso.
Uma vez acordado, o termo de consensualidade significará compromisso de adoção da solução nele apresentada e renúncia ao contencioso administrativo e judicial do quanto foi acordado por consenso. O termo será vinculante entre as partes e terá efeito suspensivo pelo prazo de 30 dias em relação às medidas que ficaram acordadas.
A Portaria nº 467/2024 estabelece que o procedimento do Receita Consenso deve ser concluído no prazo de 90 dias, prorrogável uma vez por 90 dias, não podendo ser prorrogado na hipótese de o prazo decadencial para lançamento de crédito tributário ser igual ou inferior a 180 dias.
Receita Soluciona
O programa Receita Soluciona foi instituído com o objetivo de promover e facilitar o diálogo entre a RFB e a sociedade em geral, no intuito de contribuir com a conformidade fiscal.
De acordo com a Portaria RFB nº 466/2024, podem participar do Receita Soluciona confederações nacionais representativas de categorias econômicas, centrais sindicais e entidades de classe no âmbito nacional.
As entidades autorizadas a participar do Receita Soluciona deverão apresentar requerimento com a descrição da demanda, indicação das áreas da RFB pertinentes, além de uma proposta de solução. A área da RFB responsável pelo assunto deverá se pronunciar em até 90 dias contados da data do recebimento do requerimento.
Ainda nos termos da Portaria mencionada, o Receita Soluciona não abrangerá: (i) matérias para as quais haja trâmite processual específico; (ii) arguição de constitucionalidade de lei ou tratado; (iii) solicitação de informações que podem ser obtidas por meio da Lei de Acesso à Informação (lei nº 12.527/2011); (iv) atendimento e andamento processual relacionados a contribuintes específicos; e (v) denúncias.
O Receita Soluciona se destina mais, portanto, a temas gerais de interesses setoriais e menos a discussões individuais (como o Receita Consenso).
Conclusões
É possível compreender, a partir da exposição dos Programas Receita Consenso e Receita Soluciona, que a RFB se propõe a caminhar em direção a uma atuação mais colaborativa e informativa e menos punitivista. Isso pode significar maior facilidade para os contribuintes, especialmente em relação a temas ainda controversos.
A tendência é que essas alternativas inovadoras estejam disponíveis para contribuintes com alto grau de conformidade, indicando que haverá um tratamento diferencial para contribuintes com bom histórico perante a RFB.
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