1. Histórico
Desde a instituição do regime não cumulativo das Contribuições ao Programa de Integração Social (“PIS”) e da Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (“COFINS”), um debate se mostrou muito presente no dia-a-dia das empresas e gerou um enorme número de discussões administrativas e judiciais entre fisco e contribuintes. Trata-se do conceito de insumos para fins de creditamento do PIS e da COFINS.
Fazendo uma breve recapitulação, o regime não cumulativo do PIS e da COFINS foi instituído pelas Leis nº 10.637/2002 e nº 10.833/2003.
O regime não cumulativo do PIS e da COFINS diferiu da sistemática conhecida do ICMS e IPI, por exemplo, adotando-se o denominado método subtrativo indireto. Isso significa que, em relação às contribuições, as empresas deveriam apurar sua base de crédito (ou seja, suas receitas tributáveis) e multiplica-la pelas alíquotas legalmente previstas. Conjuntamente, as empresas deveriam apurar sua base de créditos, de acordo com os dispêndios previstos em lei autorizados a gerar tais créditos, e também aplicar a alíquota das contribuições. O confronto entre a base de créditos e a base de débitos resultaria no valor a pagar de contribuições ou eventual saldo credor.
Nesse sentido, um dos valores previstos na legislação como gerador de crédito das contribuições eram os “bens e serviços utilizados como insumos”, sem uma definição na própria legislação sobre sua amplitude.
A dúvida acerca do conceito de insumos possibilitou que a Receita Federal editasse as Instruções Normativas nº 247/2002 e 404/2004, que regulamentaram as contribuições em questão e disciplinaram o que seria reputado como conceito de insumo para fins do PIS e da COFINS.
Nesses atos normativos, restou definido que insumo seriam as matérias primas, produtos intermediários, embalagem ou outros bens que sofressem alterações, como desgaste, dano ou perda de propriedades físicas ou químicas, em função da ação diretamente exercida sobre o produto em fabricação. Por sua vez, em relação aos serviços, seriam considerados insumos aqueles aplicados ou consumidos na produção ou fabricação.
Como se observa, o conceito definido pela Receita Federal foi sobremaneira restrito. Segundo o entendimento constante das Instruções Normativas nº 247/2002 e nº 404/2004, somente bens ou serviços diretamente aplicados no processo de fabricação poderiam ser considerados como insumo.
Nesse contexto, houve um certo consenso no mercado de que a Receita Federal havia única e tão somente importado o conceito de insumo utilizado para o IPI e aplicado em sua extensão às contribuições, sem nenhuma adaptação.
O problema disso se dá pois o IPI incide justamente sobre produtos industrializados, razão pela qual faz sentido a restrição ao conceito de insumo relativamente a esse imposto para que se refira à produção industrial. Considerando que o PIS e a COFINS incidem sobre as receitas das empresas, haveria uma inconsistência entre a base tributável e a base de créditos passíveis de tomada por tais contribuintes.
As disposições das Instruções Normativas nº 247/2002 e nº 404/2004 geraram, assim, inconformismo nas empresas, que tiveram suas bases de crédito das contribuições razoavelmente afetadas. Isso fez com que muitas empresas passassem a adotar um conceito mais amplo das contribuições, gerando autuações e indeferimento de pedidos de ressarcimento (para as empresas geradoras de saldo credor, tais como empresas exportadoras).
Nos próximos tópicos, analisaremos brevemente as decisões relevantes exaradas no contencioso gerado sobre conceito de insumos, o panorama atual e eventuais discussões ainda pendentes.
2. A jurisprudência do CARF
Como mencionado acima, o inconformismo com o conceito restrito de insumos delimitado pela Receita Federal fez com que muitas empresas calculassem seus créditos a partir de interpretações mais amplas do que seria insumo, o que gerou autuações fiscais e indeferimentos de pedidos de ressarcimento de saldos credores.
Essas autuações e discussões sobre saldo credor chegaram em volumes bastante significativos ao Conselho Administrativo de Recursos Fiscais.
Pode-se dizer que, ao longo dos anos, basicamente três correntes foram contempladas em julgados do CARF.
A primeira corrente é justamente a que está prevista nas Instruções Normativas nº 247/2002 e nº 404/2004, aproximando o conceito de insumo para PIS e COFINS daquele válido para o IPI, admitindo-se o crédito sobre bens e serviços diretamente aplicados na produção.
Posteriormente, surgiu uma corrente contrapondo-se à primeira, entendendo-se que insumo, na legislação do PIS e da COFINS, seria todo custo e despesa tida na atividade dos contribuintes, aproximando-se do conceito de despesa para fins do IRPJ.
A partir dessas duas correntes iniciais, surgiu a terceira corrente, intermediária, reputando que insumo não seria tão somente os bens e serviços aplicados diretamente na produção, mas também não seria tão amplo para corresponder às despesas dedutíveis para fins de IRPJ. Assim, insumos seriam os bens e serviços essenciais na atividade produtiva do contribuinte.
A terceira corrente, que corresponde a uma linha intermediária sobre o conceito de insumo, acabou prevalecendo ao longo do tempo na jurisprudência do CARF, havendo diversos precedentes nesse sentido.
A partir disso, houve muitas discussões sobre quais itens seriam considerados essenciais, um debate travado caso a caso pelos contribuintes, pela demonstração das peculiaridades de sua atividade e do contexto no qual se inseriria o item controvertido.
3. O Recurso Especial nº 1.221.170/PR
Sem sombra de dúvidas, o julgamento do Recurso Especial nº 1.221.170/PR representou um divisor de águas na discussão sobre insumos de PIS e COFINS.
Nesse Recurso Especial, julgado sob o regime dos recursos repetitivos, o STJ analisou a legalidade das Instruções Normativas nº 247/2002 e nº 404/2004, notadamente sobre a amplitude do conceito de insumos.
Prevaleceu, nesse julgamento, o voto do Ministro Relator Napoleão Nunes, no sentido de que as Instruções Normativas seriam ilegais em relação à restrição ao conceito de insumo e que este se refere aos dispêndios essenciais ou relevantes, considerando a imprescindibilidade ou a importância de determinado item para o desenvolvimento da atividade econômica do contribuinte.
Nesse sentido, seria possível dizer que a tese que já vinha prevalecendo no CARF e que vinha sendo adotada como premissa jurídica para decisões tomaras por muitas empresas acabou por prevalecer no STJ.
4. A posição das autoridades fiscais após o julgamento do Recurso Especial nº 1.221.170/PR
Como mencionado acima, o Recurso Especial nº 1.221.170/PR representou um verdadeiro marco na discussão sobre os créditos de PIS e COFINS.
O Recurso Especial em questão, no entanto, apesar de julgado no rito dos recursos repetitivos, não vincula de imediato a administração pública.
Nesse sentido, a Lei nº 10.522/2002 dispôs sobre o procedimento para que a Receita Federal estivesse vinculada às decisões tomadas em sede de recurso repetitivo pelo STJ. Sem adentrar aos detalhes desse procedimento, fato é que a Procuradoria Geral da Fazenda Nacional editou a Nota SEI nº 63/2018.
Nessa Nota, a PGFN relata à Receita o julgado em questão, mencionando que o conceito de insumo constante da Instruções Normativas nº 247/2002 e 404/2004 seria ilegal, passando a valer o critério da essencialidade ou relevância. Nesse sentido, a PGFN cita passagens do voto do Ministro Mauro Campbell, que trata do “teste da subtração”. Segundo esse teste, se um determinado item, ao ser retirado do processo produtivo, compromete a consecução da atividade fim da empresa, então deve ser considerado como relevante e, portanto, insumo para fins das contribuições.
Posteriormente, o tema foi objeto do Parecer Normativo nº 5/2018, exarado pela COSIT. Nesse ato, à luz do decidido pelo STJ, a Receita Federal analisou alguns itens específicos:
- Insumo do insumo: anteriormente ao julgamento do RESP nº 1.221.170/PR, a Receita Federal tinha entendimento que somente insumos diretamente utilizados poderiam gerar créditos. Após o julgamento em questão, alterou-se esse entendimento;
- Insumo de atividade comercial: nesse ponto, a Receita Federal manteve seu entendimento anterior, entendendo que as atividades comerciais não têm créditos de insumo. Entendeu-se que tal cenário não foi alterado pelo julgamento do Recurso Especial em questão;
- Valores gastos após a finalização da produção ou do serviço: mesmo após o julgamento do RESP nº 1.221.170/PR, a Receita Federal entendeu que os valores gastos após a produção ou a prestação de serviço não podem ser considerados como insumos. Nesse sentido, citou-se os gastos com as garantias dos produtos vendidos, que não poderiam ser considerados como insumos;
- Despesas gerais: a Receita Federal analisou a distinção entre custos e despesas, entendendo que despesas alheias à atividade fim, como despesas administrativas, contábeis e jurídicas, não poderiam ser consideradas como insumos;
- Pesquisa e desenvolvimento: à luz do precedente do STJ, a Receita Federal entendeu que os dispêndios com pesquisa e desenvolvimento bem-sucedidos poderiam gerar créditos de PIS e COFINS. Por outro lado, os dispêndios que não gerassem resultado não se enquadrariam como essenciais; e
- Terceirização de mão de obra: no entender da Receita Federal, os gastos com terceirização de mão de obra eventualmente aplicada na produção poderiam ser considerados como insumo.
Evidentemente, há alguns pontos considerados discutíveis no Parecer Normativo em questão, mas fato é que pode se observar uma obediência ao quanto decidido pelo STJ.
5. Discussões ainda remanescentes
Após um longo contencioso entre fisco e contribuintes, pode-se dizer que a decisão do STJ acima mencionada se mostrou relevante para dirimir muitas dúvidas, havendo, atualmente, até certa convergência por parte das autoridades fiscais.
Ainda assim, mesmo após a decisão em questão, remanescem algumas dúvidas que devem ser, em breve, levadas à apreciação do CARF e do Poder Judiciário.
Como exemplo, seria possível citar o caso dos gastos com propaganda e marketing, eis que, após a decisão do STJ, o CARF decidiu favoravelmente a um contribuinte (Acórdão nº 3401-005.291).
Outro ponto que ainda deve gerar discussão é a fase em que o dispêndio poderia ser incorrido. Conforme mencionado acima, o Parecer Normativo entendeu que somente os dispêndios até a produção ou até a prestação de serviço poderiam gerar créditos.
Nesse sentido, seria argumentável que a decisão do STJ não fez essa distinção, eis que mesmo os bens posteriores à produção poderiam ser essenciais à atividade.
Da mesma forma, as empresas comerciais também devem desafiar o entendimento da Receita Federal, no sentido de que não poderiam se apropriar de créditos sobre insumos.
6. Conclusões
Diante de todo o exposto acima, pode-se concluir que houve um grande debate entre fisco e contribuintes sobre a amplitude do conceito de insumos para fins de creditamento de PIS e COFINS.
No curso do contencioso gerado, surgiram diversas correntes, tendo prevalecido, em julgamento do STJ sujeito ao rito dos recursos repetitivos, a corrente intermediária, no sentido de que insumo seria o gasto essencial ou relevante para a atividade fim da empresa.
As autoridades fiscais vêm entendendo que a corrente firmada pelo STJ se coaduna com o “teste da subtração”, que significa que os produtos que não poderiam ser excluídos sem prejudicar a atividade fim da empresa devem ser considerados como insumos. A aplicação dessa teoria ainda pode gerar discussões na prática.
Por fim, apesar de a decisão do STJ já ter trazido uma grande segurança para os contribuintes, ainda há temas que terão que ser enfrentados especificamente pelo CARF e Poder Judiciário.
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