Como se sabe, o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (“CARF”) é um órgão de extrema relevância para quem está por dentro do dia-a-dia do direito tributário.

Isso porque o CARF é o órgão do Poder Executivo responsável por julgar questões tributárias provenientes de autuações fiscais e pleitos de contribuintes (tais como compensações e pedidos de restituição). Assim, o CARF exerce um importante papel de intérprete de legislação tributária.

Nesse sentido, é importante mencionar que o CARF é um órgão paritário, de forma que suas turmas de julgamento são compostas pela mesma quantidade de integrantes representantes do Fisco (vinculados à Receita Federal do Brasil) e de integrantes representantes do Fisco, indicados por confederações.

Assim, na prática, sabe-se que não era incomum haver empates nas questões jurídicas discutidas no CARF, já que, por muitas vezes, os conselheiros representantes dos contribuintes adotavam a posição mais favorável a estes, ao passo que os conselheiros representantes do Fisco faziam o mesmo em relação ao erário público.

Breve histórico sobre a titularidade do voto de qualidade

Até 2020, em caso de empate, o voto de minerva era dado pelo presidente da turma de julgamento, que sempre é um representante do Fisco. Dessa forma, na maioria expressiva dos empates, o Fisco acabava saindo vencedor. Esse desempate pelo presidente da turma é denominado voto de qualidade.

Em 2020, no entanto, o cenário restou alterado pela Lei nº 13.988/2020, que acrescentou o art. 19-E à Lei nº 10.522/2002, passando a prever que, em caso de empate, o voto de qualidade não seria aplicável. Nesse caso, caso houvesse empate, a questão seria resolvida favoravelmente ao contribuinte.

O possível impacto da mudança é enorme e somente não foi maior no curso de 2020 e de 2021 porque o CARF estabeleceu um teto de valor nos julgamentos tributários por conta da pandemia, já que os julgamentos passaram a ser somente virtuais. Dessa forma, os casos mais relevantes em termos de valor ficaram suspensos desde a vigência do desempate a favor dos contribuintes.

No entanto, assim que a alteração legislativa entrou em vigor, começaram a surgir questionamentos sobre sua constitucionalidade.

Discussão quanto à constitucionalidade da emenda ao Projeto de Lei

O principal fundamento consistiria no fato de que a Lei nº 13.988/2020 foi fruto da conversão da Medida Provisória nº 899/2019. A referida Medida Provisória tratou da transação fiscal entre a União e devedores de tributos federais. Nesse contexto, a questão do voto de qualidade, inserida por uma emenda no Projeto de Lei de Conversão, não guardaria relação com a matéria tratada na Medida Provisória em questão.

Nesse cenário, considerando que a Medida Provisória é um instrumento reservado ao Presidente da República, em casos de urgência e relevância, o argumento seria o de que o legislativo não poderia inserir uma emenda na conversão da Medida Provisória sem qualquer nexo com a matéria dessa Medida Provisória.

Diante dessa discussão, surgiram três Ações Diretas de Inconstitucionalidade, de nºs 6399, 6403 e 6415, que estão sob julgamento conjunto no Supremo Tribunal Federal. Os casos estão sob relatoria do Ministro Marco Aurélio, que já apresentou voto pela inconstitucionalidade do artigo que extinguiu o voto de qualidade e previu o desfecho favorável aos contribuintes em caso de empate. O argumento acolhido foi justamente o de que a inserção do tema sem pertinência com a matéria da Medida Provisória não respeitaria o adequado processo legislativo.

Até o momento, o único voto no caso foi dado pelo Ministro Marco Aurélio. O segundo a votar na ordem do julgamento, Ministro Roberto Barroso, pediu vista, suspendendo, assim, o julgamento.

De toda forma, a expectativa é que esse entendimento pela inconstitucionalidade acabe prevalecendo no Supremo Tribunal Federal, já que há julgados nesse mesmo sentido, vedando a inserção de emendas em Medida Provisória sem pertinência temática.

Insegurança Jurídica

Caso seja esse o entendimento a prevalecer, restaria a dúvida sobre o que ocorreria com os casos já julgados sob a égide da Lei nº 13.988/2020. Haveria a possibilidade de se modular a decisão para que os julgamentos permanecessem válidos. Da mesma forma, seria possível vislumbrar a necessidade de refazimento dos julgamentos que finalizaram em empate ou simplesmente a reversão do resultado desses casos para desfecho favorável ao Fisco.

Em qualquer cenário, a conclusão a que se chega é que não há desfecho positivo pois, em qualquer caso, haverá insegurança jurídica.


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