1. Introdução

Ao longo dos anos, poucos assuntos geraram tanta dúvida e discussão quanto o ICMS substituição tributária.

No presente guia, trataremos de um dos temas polêmicos da substituição tributária, o ressarcimento do ICMS pago na substituição tributária para frente na hipótese de esta se dar por valor inferior ao que serviu de base para o ICMS-ST.

2. O Recurso Extraordinário nº 593.849

Um primeiro marco para a discussão ora abordada foi o julgamento do Recurso Extraordinário nº 593.849.

Nesse caso, o Supremo Tribunal Federal analisou a questão da restituição do ICMS ST recolhido nas operações em que não teria se concluído o fato jurídico presumido, o que incluiria os casos em que o fato não se deu da forma pela qual foi tributado.

Nesse ponto, o STF decidiu que os valores cobrados a título de ICMS ST em operações que não se confirmassem ou que não se confirmassem por completo deveriam ser proporcionalmente restituídos.

3. Discussão sobre o art. 166 do CTN

Como se sabe, o julgamento do Recurso Extraordinário nº 593.849 representou um grande impacto para os Estados.

Apesar de, após esse julgamento, ter se tornado inequívoco o direito de os contribuintes restituírem os valores de ICMS-ST em operações realizadas por valores menores do que a considerada para fins da tributação, os Estados passaram a regulamentar de forma limitadora o direito à restituição.

Uma das exigências que se viu sendo imposta pelos Estados foi o cumprimento do quanto previsto no art. 166 do CTN. Como se sabe, tal artigo disciplina a restituição de tributo que comporte o repasse do ônus econômico. Ou seja, se efetivamente tal dispositivo fosse aplicável ao ICMS-ST, seria necessário o substituído tributário comprovar que não repassou o ônus econômico para as próximas etapas da cadeia, ou obter autorização para pleitear a restituição em nome próprio de seus clientes.

Na prática, sabe-se que o cumprimento do art. 166 do CTN inviabilizaria, se não todas, a maioria das restituições devidas. Isso porque, via de regra, o volume de operações das empresas que lidam com as mercadorias sujeitas a substituição tributária de ICMS é bastante elevado, praticamente impossibilitando o contato com todos seus clientes.

Por sua vez, seria discutível a questão do repasse do ônus econômico do substituído tributário ao consumidor final nas hipóteses em que a saída do substituído se deu por valor menor que o reputado para fins do ICMS-ST. Justamente por isso o STJ tem precedentes afastando a exigência de observância do art. 166 nos casos de restituição do ICMS-ST. Pode-se citar, por exemplo, o Agravo Interno no Recurso Especial nº 1.426.465/PR.

Apesar disso, não se pode afastar por completo o risco de autoridades fiscais estaduais exigirem, ainda que indevidamente, o cumprimento do art. 166 do CTN em relação à restituição do ICMS-ST.

4. Posição do Estado de São Paulo

Após o julgado do STF, houve certo consenso de que os Estados deveriam assegurar o ressarcimento do ICMS-ST nas operações em que o valor efetivo da operação fosse menor que aquele presumido para fins da base de cálculo do imposto.

No entanto, o Estado de São Paulo exarou o Comunicado CAT nº 6/2018, que tratava justamente da interpretação dos julgados do STF acerca do ICMS-ST.

Nesse Comunicado, o Estado de São Paulo consolidou seu entendimento inicial no sentido de que somente haveria direito ao ressarcimento nas situações em que o preço final a consumidor tivesse sido autorizado ou fixado por autoridade competente (nos termos do § 3º do art. 66-B do RICMS/SP).

A estranheza gerada pelo referido comunicado se deu eis que, na prática, se desconhecem hipóteses de preços autorizados ou fixados por autoridade competente no Estado. Dessa forma, o Comunicado em questão acabou por esvaziar por completo o conteúdo das decisões do STF sobre o ICMS-ST.

O entendimento foi contestado em diversas oportunidades pelos contribuintes situados no Estado de São Paulo e, no entanto, foi também, por diversas vezes, endossado pelo Tribunal de Impostos e Taxas de São Paulo.

Posteriormente, sobreveio o Comunicado CAT nº 14/2018, que passou a admitir o ressarcimento do ICMS-ST sem a aplicação do famigerado § 3º do art. 66-B do RICMS-SP, superando-se, então, o entendimento anterior.

Apesar disso, o referido Comunicado CAT restringe os direitos creditórios apenas para a partir da data em que prolatada a decisão do Supremo Tribunal Federal (outubro de 2016), o que seria indevido, já que não houve qualquer modulação de efeitos realizada pelo Supremo.

5. Procedimentos em alguns Estados para o ressarcimento do ICMS-ST

Tratadas algumas questões mais amplas sobre o ressarcimento do ICMS-ST, passaremos agora a discorrer resumidamente sobre alguns procedimentos previstos pelas legislações estaduais.

  • Estado de São Paulo

No Estado de São Paulo, o procedimento para ressarcimento do ICMS-ST está previsto na Portaria CAT nº 42/2018.

Basicamente, a referida Portaria estabelece o “Sistema de Apuração do Complemento ou Ressarcimento do ICMS Retido por Substituição Tributária ou Antecipado”.

O referido sistema pode ser acessado pelos contribuintes mediante certificado digital, oferecendo algumas funcionalidades, tais como: (i) mensagem para comunicação eletrônica entre Fisco e Contribuinte, por meio do DEC; (ii) consulta da situação do processamento dos arquivos digitais; (iii) menu possibilitando pedidos de registro de imposto a ressarcir em conta corrente de ressarcimento, utilização de imposto a ressarcir para compensação, transferência ou liquidação de débito; e (iv) consulta à conta corrente de controle de ressarcimento.

Nos termos da referida Portaria, o contribuinte substituído deve apresentar mensalmente, por meio de arquivo digital, as informações exigidas pelo sistema. As informações atualmente exigidas estão estruturadas em três fichas: (i) Cadastro de Participantes de Operações e Prestações, que se destina a identificação de fornecedores, clientes, transportadores, destinatários etc.; (ii) Tabela de Identificação do Item, que se destina a demonstração dos códigos de itens e respectivas descrições atribuídas; (iii) Controle de Estoque – Mercadorias Enquadradas na Substituição Tributária, que visa a apurar o valor do imposto suportado pelo substituído, bem como controlar estoques.

O arquivo digital é submetido a duas fases de validação. A primeira, denominada pré-validação, deve ser realizada pelo estabelecimento requerente antes do envio do arquivo à Secretaria da Fazenda. Isso significa que o arquivo é passado em um programa validador a fim de aferir a consistência do leiaute. A segunda fase de validação é denominada de pós-validação e é realizada pela própria Secretaria da Fazenda.

A pós-validação implicará as verificações: (i) abrangência da totalidade das informações; (ii) integridade das informações; (iii) consistência dos valores declarados com as demais informações do arquivo digital; (iv) consistência dos dados do arquivo digital com os demais registros eletrônicos do contribuinte; (v) dados cadastrais do estabelecimento solicitante; (vi) versão do leiaute; e (vii) finalidade do arquivo, conforme “tabela de finalidade de entrega do arquivo” (que contém as hipóteses de remessa regular de arquivo, remessa de arquivo por intimação específica ou remessa de arquivo para substituição de arquivo remetido anteriormente).

A pós-validação poderá gerar a recusa do arquivo digital, mediante informação pelo sistema, ou o acolhimento desse arquivo. É válido destacar que a validação do arquivo não implica a homologação de qualquer crédito pelo Fisco Estadual.

Quando do lançamento do primeiro valor a ressarcir oriundo de arquivo digital, será criada a conta corrente eletrônica de controle de ressarcimento, por estabelecimento. O registro dos valores a serem ressarcidos é realizado pelo Fisco, a pedido dos contribuintes. Os valores somente produzem efeitos a partir de seu registro no sistema, que é realizado após a verificação, pelo Fisco, dos dados cadastrais do contribuinte, eventuais omissões de GIA ou outras obrigações, de compatibilidade do valor a ser registrado com dados do arquivo digital, e da apresentação de EFD.

Posteriormente ainda se faz necessária a autorização para utilização do valor a ressarcir, exceto no caso de compensação escritural. Para os demais casos, a utilização depende de manifestação fiscal com parecer positivo, mediante verificação da correção dos valores, da comprovação das operações respectivas e do confronto de dados do arquivo digital com os demais constantes do banco da Secretaria da Fazenda.

Em relação à utilização em si, pode ocorrer pela compensação escritural, transferência para substituto tributário, pedido de ressarcimento por meio de depósito bancário, liquidação de débito fiscal e outra forma estabelecida em regime especial.

  • Estado de Minas Gerais

A legislação mineira prevê a restituição do ICMS-ST em caso de operação por valor inferior ao presumido pela forma do abatimento do imposto devido pelo contribuinte a título de substituição tributária.

Para tal abatimento, faz-se necessário a geração e manutenção de arquivo eletrônico pelos contribuintes, bem como de arquivo digital com o leiaute publicado pela Secretaria da Fazenda. Os arquivos são transmitidos até o dia 25 do mês subsequente.

Ainda, no período de referência, o contribuinte deve emitir Nota Fiscal eletrônica com natureza da operação de “Restituição de ICMS ST – Aspecto Quantitativo”, CFOP 1.603, e informação do valor a restituir de ICMS-ST no grupo “dados do produto”.

A referida Nota Fiscal deve ser escriturada na EFD ICMS/IPI.

  • Estado do Rio Grande do Sul

No estado do Rio Grande do Sul, os contribuintes devem elaborar relação com a discriminação das operações realizadas com mercadorias que dão ensejo ao valor a ser restituído de ICMS, o número e o emitente das respectivas notas fiscais de aquisição e quaisquer outros elementos pertinentes à apuração do crédito.

Também, o contribuinte deve emitir Nota Fiscal específica relativa à restituição do ICMS-ST, com a informação “Crédito Fiscal Adjudicado nos termos do RICMS-RS/1997, Livro III, art. 23, do RICMS”. A referida Nota Fiscal deve ser registrada na EFD.

  • Estado de Pernambuco

No estado de Pernambuco, o procedimento para restituição do ICMS-ST se dá por meio de pedido formulado pelo contribuinte à Secretaria da Fazenda. É necessário anexar planilha contendo a relação de todos os documentos fiscais relativos às operações de entrada e, quando for o caso, de saída, bem como períodos e valores requeridos.

A legislação pernambucana prevê prazo de 90 dias para análise do pedido. Caso não haja análise nesse prazo, o contribuinte pode se creditar do valor objeto do pedido em sua escrita fiscal. Nesse caso, não há homologação tácita dos créditos, que ainda ficam sujeitos à análise por parte do Fisco.

  • Estado do Amazonas

No estado do Amazonas, há a previsão de pedido eletrônico de ressarcimento, a ser realizado por meio do sistema Ressarcimento Eletrônico. O arquivo a ser enviado é denominado “Complemento e Ressarcimento pela diferença de bases do ICMS-ST”.

A legislação amazonense condiciona a admissibilidade do pedido à completa e correta informação, na EFD ICMS/IPI dos seguintes registros: (i) “H005 – Totais do Inventário” e H010 – Inventário”, discriminando todos os produtos em estoque ao final do período; (ii) “1300 – Movimentação Diária de Combustíveis” e outros, aplicáveis aos comerciantes varejistas de combustíveis.

Após análise do pedido, o contribuinte poderá ser intimado a sanear o processo, em caso de eventuais irregularidades, ou terá deferido seu crédito, podendo utilizá-lo na forma do § 2º, do art. 372, ou §3º, do art. 373, do RICMS/AM.

6. Conclusões

O que se conclui a partir de todo o exposto é que ainda há questões a serem resolvidas em relação ao ressarcimento de ICMS-ST. Podemos citar especialmente a questão atinente à aplicação do art. 166 do CTN. Outro ponto claramente problemático é a diferença na regulamentação implementada por cada Estado para operacionalizar o ressarcimento. Há o caso do Estado de São Paulo e do Amazonas, por exemplo, que instituíram um sistema eletrônico e há o exemplo do Estado de Pernambuco, que ainda prevê a formulação de pedido perante a Secretaria da Fazenda. Ainda, há Estados que não instituíram quaisquer procedimentos específicos para o ressarcimento do ICMS-ST.

Diante disso, faz-se importante que as empresas sigam atentas à regulamentação e procedimentos instituídos em cada Estado de interesse, bem como que acompanhem as discussões jurídicas nos Tribunais.


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