Encontra-se em julgamento, perante o Supremo Tribunal Federal (STF), um tema bastante relevante para fins fiscais. Trata-se da definição dos limites da coisa julgada em matéria tributária. Embora ainda não haja definição a respeito do assunto, apresentaremos os detalhes relativos a este tema, bem como as decisões que já foram proferidas por alguns dos Ministros. Acompanhe!
Do que trata a discussão?
A discussão da eficácia da coisa julgada em matéria tributária se refere ao quão definitiva pode ser uma decisão judicial que trate do tema tributário. A Procuradoria Geral da Fazenda Nacional (PGFN), que defende os interesses da União em juízo, pretende relativizar a imutabilidade da coisa julgada tributária quando houver decisão posterior, proferida pelo STF, que contrarie o entendimento obtido por um contribuinte, de forma automática.
Ou seja, conforme pretende a PGFN, um contribuinte que tenha decisão judicial transitada em julgado permitindo o não pagamento de um determinado tributo poderá perder o mencionado benefício caso o STF profira decisão que considere a incidência do mencionado tributo constitucional.
Como exemplo, pode-se citar o caso do Grupo Pão de Açúcar, que conseguiu, nos anos 1990, uma decisão judicial reconhecendo a inconstitucionalidade da CSLL. Uma vez que a referida decisão transitou em julgado, ou seja, não estava mais sujeita a recursos e não poderia mais ser modificada materialmente, o Grupo deixou de recolher a CSLL. À época, a decisão considerou que a CSLL seria inconstitucional, dentre outros motivos, por não ter respeitado o princípio da anterioridade e por não ter sido instituída por meio de Lei Complementar.
Posteriormente, porém, o STF, em controle concentrado de constitucionalidade, declarou constitucional a CSLL, quando do julgamento da ADI 15, em 2007.
Pelo entendimento pretendido pela PGFN, a partir do julgamento ocorrido em 2007, o fisco poderia cobrar a CSLL do Grupo Pão de Açúcar, desconsiderando, portanto, a decisão que havia sido proferida em momento anterior. E tal cobrança poderia ser feita de maneira automática, sem a necessidade de ação revisional ou rescisória, ou seja, sem a necessidade de nenhuma providência por parte do Fisco.
Assim, a discussão a ser definida pelo STF terá de avaliar dois pontos conflitantes e, ainda assim, extremamente relevantes: de um lado, há a segurança jurídica decorrente da imutabilidade da coisa julgada, que garante aos contribuintes confiança nas decisões proferidas pelo judiciário. De outro lado, decisões judiciais que determinam a desnecessidade de pagamento de alguns tributos (a exemplo da CSLL) para determinados contribuintes acabam por garantir a eles uma vantagem concorrencial que não se aplica às outras empresas, criando uma quebra de isonomia.
O tema está sendo discutido em dois processos, o RE 955227 e o RE 949297, que serão detalhados a seguir.
RE 955227
De relatoria do Ministro Roberto Barroso, foi iniciado o julgamento virtual no dia 06 de maio de 2022, tendo sido suspenso por pedido de vista do Ministro Alexandre de Moraes. Neste RE, discute-se se as decisões do STF em controle difuso de constitucionalidade fazem cessar os efeitos futuros da coisa julgada tributária relativa a tributos pagos de forma continuada, como é o caso da maioria dos tributos, que incidem repetidamente no curso dos negócios das empresas.
Controle difuso de constitucionalidade é aquele realizado incidentalmente pela análise da compatibilidade da norma com a constituição no caso concreto. O STF, apesar de ser o órgão por excelência a realizar o controle concentrado, pode também realizá-lo mediante controle difuso, no caso, em recursos extraordinários.
Embora o julgamento tenha sido suspenso pelo pedido de vista, o relator havia proposto a fixação da seguinte tese de repercussão geral (tema 885): “1. As decisões do STF em controle incidental de constitucionalidade, anteriores à instituição do regime de repercussão geral, não impactam automaticamente a coisa julgada que se tenha formado, mesmo nas relações jurídicas tributárias de trato sucessivo. 2. Já as decisões proferidas em ação direta ou em sede de repercussão geral interrompem automaticamente os efeitos temporais das sentenças transitadas em julgado nas referidas relações, respeitadas a irretroatividade, a anterioridade anual e a noventena ou a anterioridade nonagesimal, conforme a natureza do tributo”.
Como se observa, pelo voto do relator, as decisões prolatadas em controle difuso anteriormente ao instituto da repercussão geral, criado em 2004, pela Emenda Constitucional nº 45/2004, que contrariassem decisões transitadas em julgado, não teriam o efeito automático de desconstituí-las. Por outro lado, as decisões em sede de ações diretas de constitucionalidade ou inconstitucionalidade, bem como decisões prolatada no rito da repercussão geral interromperiam automaticamente os efeitos da sentença transitada em julgado.
RE 949297
De relatoria do Ministro Edson Fachin, foi iniciado o julgamento virtual no dia 06 de maio de 2022, tendo sido suspenso por pedido de vista do Ministro Alexandre de Moraes. Neste RE, discute-se se uma decisão proferida pelo STF em sede de controle concentrado de constitucionalidade, como aquelas provenientes, por exemplo, do julgamento de uma Ação Direita de Inconstitucionalidade (ADI), ou de uma Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC), poderia ter como efeito a cessação automática da eficácia da coisa julgada tributária decidida em sentido contrário.
Embora também este julgamento esteja suspenso por pedido de vista, o relator havia proposto a fixação da seguinte tese de repercussão geral (tema 881): “A eficácia temporal de coisa julgada material derivada de relação tributária de trato continuado possui condição resolutiva que se implementa com a publicação de ata de ulterior julgamento realizado em sede de controle abstrato e concentrado de constitucionalidade pelo Supremo Tribunal Federal, quando os comandos decisionais sejam opostos, observadas as regras constitucionais da irretroatividade, a anterioridade anual e a noventena ou a anterioridade nonagesimal, de acordo com a espécie tributária em questão”.
Ou seja, nesse caso, por abordar questão relativa a controle concentrado, O Min. Edson Fachin entendeu que a decisão do Supremo que declarasse a constitucionalidade de um tributo em relação ao qual o contribuinte obtivesse uma decisão declarando a inconstitucionalidade faria cessar automaticamente a decisão judicial em sentido contrário.
A decisão desse RE, portanto, está em linha com o voto do Ministro Roberto Barroso no RE 955277.
Produção de efeitos das decisões
Em ambos os casos, ou seja, tanto no RE 955227 quanto no RE 949297, os relatores ponderaram que as decisões que tenham como consequência a incidência tributária decorrente de decisões do STF passem a valer para o futuro. Isso significa que somente a partir da publicação da ata de julgamento do STF é que poderia ser considerada iniciada a relação tributária, ou seja, o julgamento não poderia ter como consequência a cobrança retroativa do tributo discutido. E, ainda assim, seria necessário respeitar os princípios da anterioridade nonagesimal e anual, a depender da natureza do tributo em questionamento.
Ou seja, no exemplo que citamos acima, de um contribuinte que obtém decisão transitada em julgado declarando inconstitucional um tributo, tal decisão produziria efeitos até a publicação da ata de julgamento do STF que declarasse a constitucionalidade desse tributo.
Conclusões
Embora os relatores dos dois processos mencionados tenham apresentado, conforme mencionado, propostas de fixação de teses que relativizam a eficácia da coisa julgada em matéria tributária, ainda é preciso esperar a finalização dos julgamentos e a apresentação dos votos de todos os Ministros para saber se as propostas irão, ou não, prevalecer.
No momento, ambos os casos estão aguardando o voto do Ministro Alexandre de Moraes. Ainda não há como prever o desfecho do julgamento, mas já há dois Ministros propondo a relativização da coisa julgada nos casos em que houver decisão posterior do STF declarando a constitucionalidade da incidência.
Em caso de dúvidas, envie uma mensagem para contato@taxcel.com.br
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