O Supremo Tribunal Federal (STF) vai continuar o julgamento a respeito da incidência de Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISS), de competência dos Municípios, sobre operações que envolvam a industrialização por encomenda.
O julgamento, que já havia sido iniciado em 2023, agora está marcado para 26 de fevereiro.
Trataremos deste assunto no presente artigo, acompanhe.
Qual a origem da discussão?
Inicialmente, vale destacar que a operação de industrialização por encomenda é aquela pela qual o encomendante solicita um determinado processo industrial sobre um bem de sua propriedade, remetendo esse bem para industrialização. Ao final da operação, o industrializador devolve o bem transformado de acordo com as especificações do encomendante.
Diante disso, surge a discussão sobre a tributação da industrialização por encomenda. A discussão não é nova e consiste, basicamente, no conflito de competência tributária entre Estados e Municípios, ou seja, o conflito entre ICMS e ISS.
Em síntese, a discussão seria qual a natureza da operação de industrialização por encomenda, se prevaleceria uma obrigação de dar, que caracterizaria um serviço, ou uma obrigação de fazer, que caracterizaria uma circulação de mercadoria.
A discussão encontra-se nos autos do Recurso Extraordinário (RE) n. 882461. Neste processo, o contribuinte, empresa que realiza corte em bobinas de aço em chapas, questionou a cobrança de ISS que estaria sofrendo, alegando que a operação estaria sujeita ao ICMS, que, inclusive, teria sido devidamente recolhido.
O Município em questão, por sua vez, sustentou que que teria competência para tributar a atividade da empresa, já que estaria prevista na lista anexa à Lei Complementar n. 116/2003, que elenca as atividades sujeitas ao ISS.
Esse é o tema que o STF pretende analisar de forma definitiva em fevereiro.
Já havia um entendimento que vinha prevalecendo sobre o tema?
Sim, a jurisprudência do STF a respeito da industrialização por encomenda vinha sendo no sentido de que, se a industrialização se dá dentro do contexto da cadeia produtiva de um bem que será objeto de posterior industrialização ou venda, então o imposto incidente sobre a operação seria o ICMS.
Esse foi o entendimento aplicado na Medida Cautelar na ADI n. 4.389, em que se analisou um caso de industrialização por encomenda de embalagens, na qual o encomendante solicitava a personalização de suas embalagens. Como as embalagens posteriormente se incorporariam ao processo de comercialização do produto final, entendeu-se que a industrialização por encomenda nesse caso sofreria a incidência do ICMS.
Nesse precedente, declarou-se inconstitucional o item 13.05 da Lista Anexa à Lei Complementar 116/2003, que estabelecia de forma ampla a incidência do ISS sobre serviços gráficos. No caso, entendeu-se que a operação não poderia se submeter ao ISS e, portanto, a previsão ampla e irrestrita seria inconstitucional.
Tanto é que, em 2016, a Lei Complementar nº 116/2003 foi alterada para reestabelecer o Item 13.05, mas dessa vez restringindo a incidência do ISS tão somente aos casos em que o objeto do serviço não fosse integrante de uma cadeia comercial. Com essa redação, portanto, apenas os serviços destinados aos consumidores finais sofreriam a incidência do ISS. Caso contrário, estariam sujeitos ao ICMS.
Diante desse relevante precedente do STF, portanto, pode-se dizer que o entendimento que prevalece até que haja esse próximo julgamento é o de que incide o ICMS caso o objeto da encomenda seja integrante de uma cadeia econômica comercial ou industrial.
Apesar disso, é importante destacar que, nesse próximo julgamento do STF, o item da Lista Anexa é o 14.05, ou seja, um item distinto daquele que tinha sido objeto de julgamento anterior, embora o mesmo racional pudesse ser aplicado.
Julgamento no STF
Inicialmente, importante mencionar que o RE n. 882461 teve repercussão reconhecida (Tema 816), e isso significa que a tese fixada pelo STF no julgamento deste caso deverá ser aplicada a todos os casos semelhantes que estejam em discussão perante o Poder Judiciário.
O julgamento do mencionado RE no STF teve início em abril de 2023, no plenário virtual do Tribunal. O relator do caso, Ministro Dias Toffoli, havia dado provimento ao Recurso da empresa, entendendo ser inconstitucional a incidência do ISS a que se refere o subitem 14.05 da Lista anexa à LC nº 116/03 se o objeto é destinado à industrialização ou à comercialização, como no caso em questão.
O Ministro Dias Toffoli, em seu voto, também decidiu por modular os efeitos da decisão no sentido de que os contribuintes que recolheram ISS até o julgamento não teriam direito à repetição do indébito, bem como que não seria possível a cobrança de ICMS ou IPI sobre essas operações para o passado.
Nesse caso específico, para além da questão da industrialização por encomenda, o STF também analisará se as multas moratórias, ou seja, aquelas aplicáveis a casos de não pagamento em que o próprio contribuinte constitui o crédito tributário por meio de declarações fiscais, instituídas pela União, Estados, Distrito Federal e municípios, deveriam observar o teto de 20% do débito tributário (como já é o caso das multas moratórias aplicadas pela União). No voto inicialmente prolatado pelo Ministro Dias Toffoli, entendeu-se que essa limitação de 20% seria sim aplicável.
O Ministro Alexandre de Moraes apresentou seu voto divergente em agosto de 2024. Para o Ministro, deveria ser considerada constitucional a incidência de ISS sobre operações de industrialização por encomenda, ainda que referida operação configure etapa intermediária do ciclo produtivo da mercadoria, nos termos do item 14.05 da Lista de Serviços anexa à Lei Complementar 116/2003. Em relação à questão da multa, o Ministro Alexandre de Moraes entendeu que o teto da multa moratória a ser aplicada deveria ser de 20% do valor do débito tributário, sob pena de ofensa ao princípio do não confisco.
O Ministro Cristiano Zanin votou com o relator, entendendo ser inconstitucional a cobrança do ISS. Em relação à modulação, apenas ressalvou que não seria possível obstar a cobrança do IPI para o passado, já que o conflito de competência seria entre ISS e ICMS.
Também, foi computado o voto da Ministra Rosa Weber, que já havia votado no plenário virtual e, diante de sua aposentadoria, seu sucessor não poderia mudar sua orientação (no caso, o Ministro Flávio Dino). A Ministra Rosa Weber votou com o relator também.
Posteriormente, havia pedido vista o Ministro André Mendonça. A partir de 27/12/2024, o processo foi automaticamente liberado para a continuação do julgamento, uma vez que o prazo de 90 dias do pedido de vista do Ministro André Mendonça foi ultrapassado, conforme determinado pela Emenda Regimental 58/2022.
Dessa forma, para a retomada do julgamento, já há três votos pela inconstitucionalidade da cobrança de ISS sobre industrialização por encomenda em casos que o objeto será posteriormente comercializado e um foto a favor da cobrança. Vale lembrar que ainda votarão os Ministros Carmén Lúcia, Edson Fachin, Luiz Fux e Roberto Barroso. Todos esses votaram com o Ministro Dias Toffoli pela inconstitucionalidade da cobrança do ISS sobre industrialização por encomenda. Caso mantenham seus votos, já haveria maioria nesse sentido sobre o mérito da discussão.
Conclusões
O STF poderá julgar em breve uma discussão já antiga, mas com grandes impactos econômicas para as operações de industrialização por encomenda.
Atualmente, diante do cenário dos votos já prolatados e do precedente do próprio STF, pode-se dizer que a tendência parece ser de um desfecho pela inconstitucionalidade da cobrança do ISS sobre essas operações, quando o bem for destinado a posterior comercialização.
No entanto, será necessário aguardar essa confirmação no julgamento. Além disso, haverá a relevante questão da modulação dos efeitos para se aguardar para ver se de fato será aprovada e em que termos.
0 comentário