A 1ª Seção do Superior Tribunal de Justiça prolatou recentemente, em 11 de outubro de 2023, uma relevante decisão a respeito do direito a crédito de ICMS, entendendo que os bens intermediários adquiridos para uso no desempenho do objeto social da empresa geram crédito do referido imposto.
Qual é a discussão?
Para entender a recente decisão do STJ é importante compreender o contexto em que se insere.
Como se sabe, o ICMS é um tributo não cumulativo por força da Constituição Federal (art. 155, § 2º, I). Isso significa que o tributo não se acumula nas seguidas etapas de uma determinada cadeia econômica. A forma de assegurar a não cumulatividade é justamente conferir ao adquirente de um bem tributado pelo ICMS o crédito desse referido bem, para abater com os débitos do imposto gerados em suas próprias saídas.
Nesse sentido, os Fiscos estaduais vinham firmando uma posição no sentido de que apenas os bens que efetivamente incorporassem o produto final vendido pelo contribuinte, bem como materiais de embalagem, poderiam gerar crédito quando de sua aquisição. Essa corrente foi denominada em discussões relativas a outros tributos não cumulativos como “crédito físico”, já que somente os bens que efetivamente componham aquele vendido poderiam gerar crédito.
Na visão dos Estados, portanto, caso o bem não se desgastasse por completo para integrar mercadoria vendida, assumiria a natureza de bem adquirido para uso e consumo. De acordo com a Lei Complementar nº 87/1996, os dispêndios para aquisição de bens de uso e consumo somente poderão gerar crédito a partir de 2033.
Como se pode imaginar, esse conceito restritivo exclui diversos bens e materiais adquiridos pelos contribuintes para desempenhar suas atividades da possibilidade de creditamento, resultando em um incremento da carga tributária relativa ao ICMS. Nesse contexto surgiu a discussão a respeito dos bens intermediários, que são usados na atividade da empresa, mas não compõem o bem final vendido pelo contribuinte.
Nesse ponto, já há muitos anos os contribuintes vêm alegando que a Lei Complementar nº 87/1996 (arts. 20, § 1º, e 21, III) vedou tão somente os créditos de aquisições que se demonstrem alheias à atividade do estabelecimento, conceito esse muito mais amplo e que abrangeria os produtos intermediários utilizados na atividade econômica, ainda que não diretamente desgastados ou consumidos na produção.
Como vinha a jurisprudência do STJ sobre o tema?
Até o final de 2022, pode-se dizer que a jurisprudência do STJ caminhava de forma desfavorável aos contribuintes na Segunda Turma e favorável aos contribuintes na Primeira Turma
De fato, a Primeira Turma do STJ vinha firmando uma linha de entendimento mais favorável aos contribuintes recentemente (vide AgInt no AREsp 1891332, de 28/11/2022 e AgInt no REsp 1742294, de 21/02/2022).
Já a Segunda Turma do STJ vinha firmando uma posição no sentido de que somente os bens que se esgotassem no processo produtivo ou que compusessem o produto final poderiam gerar crédito de ICMS (vide AgInt no AREsp 1775781, de 28/11/2022, AgInt no REsp 1723889, de 25/6/2019 e EDcl no AgInt no AREsp 991299 de 4/12/2018).
Em 2023 a Segunda Turma revisitou seu posicionamento anterior no sentido de que não seriam admissíveis os créditos, dando ganho de causa ao contribuinte (REsp 2054083, de 18/04/2023).
Considerando esse cenário de incerteza, o tema foi levado à análise da Primeira Seção do STJ, que consolida o entendimento das duas turmas que julgam temas tributários. O caso levado à análise foi o ERESP 1775781, que havia sido julgado de forma desfavorável ao contribuinte pela Segunda Turma.
O que a Primeira Seção do STJ decidiu?
O caso recentemente julgado pelo STJ foi levado à Primeira Seção pelo recurso de contribuinte atuante no ramo de açúcar e álcool. Até a decisão favorável recente, esse contribuinte não tinha obtido o reconhecimento de seu direito a crédito de ICMS sobre os seguintes itens, uma vez que não comporiam o produto final vendido e não se desgastariam por completo na produção:
- pneus e câmaras de ar,
- materiais de corte de cana-de açúcar,
- fio agrícola,
- facas, martelos, pentes bagaceiras,
- correntes transportadoras e suas partes, correntes transportadoras de borracha e roletes,
- eletrodos,
- estatores e rotores de bomba,
- válvula e elementos de vedação,
- telas para filtragem,
- lâminas raspadoras,
- óleos e graxas
A Primeira Seção, analisando o tema, decidiu favoravelmente ao contribuinte no sentido de que materiais intermediários poderiam sim gerar crédito de ICMS, afastando o conceito restritivo do Fisco de que somente aqueles que integrassem o produto e se desgastassem totalmente no processo seriam passíveis de crédito.
É importante destacar que a Primeira Seção não analisou item a item o direito ao crédito, mas acolheu a tese do contribuinte no sentido de que todos os gastos relacionados à produção gerariam crédito. O endereçamento do STJ então foi o de devolver o processo à segunda instância para que fosse feita a análise de aplicação dos itens no processo produtivo.
Por que essa decisão é importante e quais os próximos passos?
A decisão representa um importante precedente pois unifica o entendimento do STJ a respeito de um tema muito relevante e sobre o qual recaia muita insegurança jurídica.
Com a decisão, pode-se dizer que há uma forte tendência de que a discussão se encerre favoravelmente aos contribuintes.
No entanto, é importante destacar que a decisão não foi dada em sede de recurso repetitivo e que não vincula automaticamente os órgãos da administração pública e tribunais administrativos. No entanto, em se tratando de um precedente da Primeira Seção, o argumento dos contribuintes ganha um importante precedente para reforçar sua defesa, muito embora não se possa afirmar que a discussão de fato acabou.
Diante da insegurança jurídica sobre o tema do crédito sobre produtos intermediários, é possível que muitas empresas tenham optado por uma postura conservadora de não tomar os referidos créditos.
Nesse ponto, as ferramentas da Taxcel podem ajudar a verificar os bens sobre os quais a empresa deixou de se creditar, facilitando a análise sobre a possibilidade de creditamento ou não. Em se entendendo que os bens poderiam gerar crédito que não foi apropriado, as ferramentas da Taxcel podem auxiliar a retificar obrigações acessórias para o registro do crédito.
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