O tema relativo à possibilidade de não aplicar o limite de 30% na compensação de prejuízos fiscais e base de cálculo negativa de CSLL vem sendo bastante comentado, nas últimas semanas, por conta de recentes decisões proferidas sobre o tema.
Apresentaremos, a seguir, as principais questões discutidas em relação ao tema, e as justificativas utilizadas pelos tribunais, especialmente frente ao posicionamento do STF. Acompanhe.
1. Limitação ao aproveitamento de prejuízos fiscais e base de cálculo negativa
A limitação à compensação de prejuízos fiscais na apuração do IRPJ e base de cálculo negativa de CSLL, restrita ao percentual de 30% do lucro líquido, foi prevista, respectivamente, pelos artigos 42 e 58 da lei nº 8.981/1995 e artigos 15 e 16 da lei nº 9.065/1995.
Por conta da restrição, a constitucionalidade dos mencionados dispositivos foi questionada diversas vezes, tendo sido objeto de decisões por parte do Supremo Tribunal Federal (STF). Nesse sentido, o Tribunal confirmou a constitucionalidade dos dispositivos sob diversos argumentos levantados pelos contribuintes, inclusive os seguintes: violação aos princípios da anterioridade, do direito adquirido, da irretroatividade; ser considerado empréstimo compulsório, alteração do conceito de renda etc.
2. Entendimento do STF em junho de 2019
Após diversos julgados, o STF se debruçou novamente sobre o tema em caso julgado sob o regime de repercussão geral, no RE 591.340. No julgamento, ocorrido em 27 de junho de 2019, foi fixada a seguinte tese: “É constitucional a limitação do direito de compensação de prejuízos fiscais do IRPJ e da base de cálculo negativa da CSLL“.
Na oportunidade, o relator, Ministro Marco Aurélio, havia proferido voto entendendo inconstitucional a limitação de 30% estabelecida pela legislação. Para o relator, as medidas estabelecidas pela lei significariam “incidência sobre resultados que não necessariamente acrescem o patrimônio do recorrente, mas, tão somente, repõem perdas verificadas nos períodos anteriores”.
Nesse sentido, por limitar o aproveitamento do prejuízo acumulado, a previsão legal assumiria contornos confiscatórios. O relator foi seguido pelos Ministros Edson Fachin e Ricardo Lewandowski.
Porém, o Ministro Alexandre de Moraes apresentou voto divergente, que restou vencedor ao final. No mencionado voto, o Ministro sintetizou a jurisprudência já firmada pelo STF a respeito da matéria, salientando as duas questões que ainda deveriam ser analisados pelo Tribunal: (i) ofensa aos princípios da competência tributária, da capacidade contributiva, da isonomia e da vedação ao confisco; e (ii) situação jurídica da empresa extinta e com prejuízos fiscais a serem deduzidos.
Em relação ao item (i), entendeu o Ministro não haver violação aos princípios citados, e em relação ao item (ii), não houve manifestação por se tratar, no entendimento da Corte, de matéria não prequestionada que implicaria inovação recursal. O voto do Ministro Alexandre de Moraes foi seguido pela maioria dos demais Ministros.
3. Extinção da pessoa jurídica
Como já mencionado, o julgamento do STF não analisou, por questões processuais, as hipóteses em que há extinção da pessoa jurídica. Na realidade, durante a votação do RE 591.340, foi feita expressa menção, pelo Ministro Luiz Fux, ao fato de que a discussão não tratava da hipótese de pessoa jurídica que venha a ser extinta no exercício.
Em outras palavras, o STF expressamente afirmou que a jurisprudência até então firmada a respeito da constitucionalidade da trava de 30% não se aplica às pessoas jurídicas extintas. Nesse contexto, apresentaremos, então, duas recentes manifestações, uma na esfera administrativa e outra na judicial, a respeito do tema.
4. Recente entendimento do CARF
Em recente julgamento, ocorrido em sessão do dia 1º de setembro de 2021 no processo nº 19515.007944/2008-00, a 1ª Turma da Câmara Superior do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF) afastou a aplicação do limite quantitativo de 30% da compensação de prejuízos fiscais no caso de empresa que foi extinta.
De acordo com o entendimento constante do voto vencedor, considerando que não houve expressa manifestação do STF a respeito das hipóteses em que haja extinção da pessoa jurídica, o entendimento do Supremo acerca da constitucionalidade da trava de 30% deve comportar exceções.
Assim, a legalidade do limite na compensação deveria ser condicionada à possibilidade de a compensação poder continuar a ser realizada em anos posteriores, o que não ocorre se houver extinção da pessoa jurídica.
Nos termos do que restou decidido, “sob pena de conflito e violação ao art. 43 do CTN, a trava de 30% do lucro tributável na compensação dos resultados negativos não pode ser imposta a empresa extinta, inclusive por evento de cisão, fusão ou incorporação”.
Embora a tese favorável ao contribuinte tenha prevalecido, é importante mencionar que o julgamento terminou empatado, e foi aplicado o desempate pró-contribuinte, o que deixa claro que ainda há bastante controvérsia a respeito do assunto.
5. Recente entendimento do STJ
Em recente julgamento, finalizado em 5 de outubro de 2021, o Superior Tribunal de Justiça, no RESP nº 1.925.025, negou provimento a recurso interposto por empresa que buscava aproveitar integralmente os prejuízos fiscais de IRPJ e bases negativas de CSLL quando de sua extinção, afastando-se, assim, os efeitos dos artigos 42 e 58 da Lei 8.981/95, e artigos 15 e 16 da Lei nº 9.065/95.
Em seu voto, o relator do caso, Ministro Mauro Campbell Marques, entendeu que a limitação de compensação prevista nos dispositivos citados não teria “por pressuposto a continuidade da pessoa jurídica. Para as normas é indiferente se as pessoas jurídicas irão ou não ser extintas, isso em nada afeta a sua incidência. Não há nada na letra da lei que leve a este raciocínio”.
Para o relator, não apenas os dispositivos legais que impõem a trava de 30% não fazem discriminação em relação a situações de fusão, cisão e incorporação, mas o próprio STF já teria decidido pela constitucionalidade da limitação de 30%, sem que tivesse excepcionado a hipótese de extinção da pessoa jurídica. Apesar desse entendimento, como dito acima, o STF expressamente ressalvou, em seu último julgado, a hipótese de pessoa juridica quando de sua extinção.
Ainda de acordo com o voto do relator, no caso em questão, a empresa buscava validar, no Judiciário, o que o Ministro entendeu ser um caso de planejamento tributário abusivo. Isso porque a legislação teria produzido “norma antielisiva para reduzir os incentivos a que as empresas passem a fabricar prejuízos fiscais a fim de serem adquiridos no mercado mediante incorporação por outras (normalmente estando todas sob mesma orientação dentro de um grupo econômico de fato ou mesma consultoria tributária) com o propósito único de reduzir o IRPJ e a CSLL devidos (ausência de propósito negocial)”.
Assim, e apresentando precedentes judiciais e administrativos contrários à compensação de prejuízos para além do limite de 30%, o relator negou provimento ao recurso da empresa. Ao final, a Turma negou provimento ao recurso por unanimidade.
6. Conclusões
Como se depreende dos diversos precedentes apresentados, tanto judiciais como administrativos, a questão relativa ao afastamento, ou não, do limite de 30% na compensação de prejuízos de empresas que não terão continuidade ainda é tema bastante discutido.
E até que o STF se pronuncie a respeito da aplicabilidade, ou não, da trava nos casos de pessoas jurídicas que são extintas, é provável que continue havendo diferentes posicionamentos na jurisprudência, como vimos acima, em relação a decisões conflitantes do CARF e Judiciário.
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