A Medida Provisória nº 1.160/2023, dentre diversas outras medidas, havia reinstituído o voto de qualidade a favor do Fisco no CARF. Diversos processos foram julgados por voto de qualidade sob a vigência dessa MP. Nós já fizemos um artigo explicando como funciona a votação no CARF, bem como apresentando as alterações legislativas e respectivos questionamentos sobre o assunto (lei aqui: Voto de qualidade no CARF: Contribuinte ou Fisco?).
No início de junho de 2023, no entanto, a Medida Provisória nº 1.160/2023 perdeu eficácia e trouxe diversas discussões a respeito do voto de qualidade no CARF.
Nesse artigo, abordamos os principais possíveis impactos que virão dessa perda de eficácia.
O que são medidas provisórias e como perdem eficácia?
Medidas Provisórias (“MPs”) são espécies de normas que podem ser editadas pelo Presidente da República, em caso de relevância e urgência, e que devem ser posteriormente apreciadas pelo Congresso Nacional. De acordo com o texto da Constituição Federal de 1988 (“CF/88”), se as MPs não forem convertidas em lei pelo Congresso no prazo de 60 dias, prorrogáveis por mais 60 dias, perderão eficácia desde sua edição.
No caso, a MP nº 1.160/2023 não foi convertida em lei dentro do prazo constitucionalmente previsto e, por este motivo, perdeu eficácia.
O que ocorre se uma MP perder eficácia?
Ainda nos termos determinados pela CF/88, quando uma MP não for convertida em lei dentro do prazo previsto, e perder eficácia, o Congresso Nacional deverá disciplinar as relações jurídicas decorrentes da MP, o que se faz por meio da edição de um decreto legislativo. Ademais, caso não seja editado o decreto legislativo pelo Congresso no prazo de 60 dias da perda de eficácia da MP, a CF/88 determina que as relações jurídicas constituídas e decorrentes dos atos praticados durante a vigência da MP conservam-se por ela regidas.
Assim, teoricamente, não tendo mais eficácia as disposições contidas na MP nº 1.160/2023, o Congresso deveria editar um decreto legislativo determinando como ficam as relações jurídicas pendentes. No entanto, o que se observa é que raramente o Congresso edita o mencionado decreto.
MP nº 1.160/2023 e o voto de qualidade no CARF
Uma das principais questões reguladas pela MP dizia respeito ao voto de qualidade no CARF. O voto de qualidade determinava que, caso ocorresse empate durante a votação de julgamentos realizados pelo CARF, o voto de minerva, ou seja, aquele que decide o empate, deveria ser dado pelo presidente do CARF, que sempre é um representante da Fazenda Nacional. Na prática, pelo voto de qualidade, em casos de empate, acabava prevalecendo o entendimento da União.
Em 2020, a lei nº 13.988/2020 deu nova redação ao artigo 19-E da lei nº 10.522/2002, e acabou com o voto de qualidade nos moldes anteriormente conhecidos. Pela nova redação, os casos de empate de votações deveriam ser resolvidos de forma favorável ao contribuinte. Importante mencionar, ainda, que a mencionada alteração legislativa foi objeto das Ações Declaratórias de Inconstitucionalidade (“ADIs”) 6.399, 6.403 e 6.415.
A MP nº 1.160/2023, publicada em janeiro de 2023, revogou o artigo 19-E da lei nº 10.522/2002, fazendo com que voltasse a vigorar a regra do voto de qualidade do presidente do CARF. Com a perda da eficácia da MP, pelo menos em princípio, cai a regra do voto de qualidade e volta a vigorar o empate a favor dos contribuintes.
Já existe um Projeto de Lei apresentado pelo governo para fixar, novamente, a regra do voto de qualidade, inclusive como forma de garantir maior arrecadação, já que a tendência é que o voto de qualidade determine maiores ganhos de causa a favor da União. Tal projeto foi apresentado também no contexto de sustentação do novo arcabouço fiscal, mas ainda não foi aprovado.
Ou seja, no momento, está em vigor a regra de que, em caso de empate nos julgamentos do CARF, os casos devem ser resolvidos de forma favorável ao contribuinte.
Consequências da perda de eficácia da MP nº 1.160/2023
Como voltou a valer a regra do desempate a favor dos contribuintes, uma das consequências da perda de eficácia da MP nº 1.160/2023 é que alguns contribuintes podem tentar aproveitar a oportunidade de terem seus processos julgados enquanto a regra está vigente.
O problema é que, no momento, as sessões do CARF não estão ocorrendo de forma usual por conta da greve dos auditores da Receita Federal do Brasil (RFB). Assim, para que tenham seus processos julgados pelo CARF, pode ser necessário que os contribuintes ingressem com ações judiciais requerendo a inclusão de seus processos em pauta, a fim de serem julgados com a regra atualmente vigente, antes que haja a aprovação do projeto de lei que reinstitui o voto de qualidade, ou mesmo que haja algum tipo de manifestação do Congresso alterando a regra.
Outra questão que vem trazendo grande insegurança jurídica diz respeito à própria validade dos julgamentos ocorridos sob a égide da MP nº 1.160/2023. Conforme mencionado, o texto da CF/88 prevê que as MPs que perdem eficácia por não terem sido aprovadas no prazo, o fazem desde a sua edição. Isso significa que a validade dos julgamentos que o CARF realizou durante a vigência da MP poderia ser questionada. Inclusive, tem-se uma situação de grande injustiça caso os efeitos da MP sigam existindo para os julgamentos concluídos enquanto ainda vigia, já que há uma grande quebra de isonomia entre os casos julgados antes e depois da perda de eficácia da MP.
Conclusão
Como visto, a perda de eficácia da MP nº 1.160/2023 está gerando bastante insegurança jurídica. Ainda não se sabe se haverá a edição do decreto legislativo por parte do Congresso Nacional, nem qual seria o teor do referido decreto. E, pelo menos até que o prazo de 60 dias desde a perda de eficácia tenha transcorrido, não há certeza de que os atos praticados pela MP nº 1.160/2023 serão considerados por ela regidos.
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