1. Introdução
Uma das questões que levou muitos contribuintes ao judiciário foi a incidência de contribuições sobre a folha de salários sobre verbas consideradas indenizatórias ou não salariais.
A discussão parte da premissa de que as contribuições sobre folha somente podem incidir sobre valores pagos aos trabalhadores que efetivamente tenham caráter salarial. E salarial seriam somente os valores devidamente pagos em contraprestação ao serviço realizado ou posto à disposição.
Diante disso, como sabem os profissionais que lidam com folhas de salários, há diversas verbas pagas a trabalhadores que claramente não são salariais, ao passo que há outras que geram dúvidas até para os especialistas. Como exemplos, que abordaremos mais para frente, podemos citar aviso prévio indenizado, auxílio doença, descanso semanal remunerado e muitos outros.
Já há algum tempo, a posição do Fisco vinha se firmando no sentido de que todos esses valores seriam tributáveis, independentemente de uma análise mais detida de suas naturezas. Foi justamente esse entendimento que levou os contribuintes a ingressarem com diversas ações.
As teses já não são mais novidade, mas as decisões judiciais que foram moldando os entendimentos sobre o tema tiveram idas e vindas.
Esse guia vai abordar o histórico das discussões, as decisões mais relevantes e que ainda prevalecem, o entendimento da Receita Federal sobre tais decisões e, por fim, as questões que ainda precisarão ser resolvidas e que geram incertezas aos contribuintes.
2. Quais as verbas normalmente discutidas e qual a posição atual sobre cada uma delas?
Não há uma fórmula única de verbas que normalmente são discutidas pelas empresas no judiciário, até porque algumas verbas podem não ser pagas em valores relevantes a depender da empresa, de forma a inexistir interesse econômico para discutir as contribuições sobre elas.
No entanto, podemos dizer que praticamente todos os contribuintes que levaram a discussão ao judiciário inseriram em suas ações questionamentos sobre o terço constitucional de férias, aviso prévio indenizado e auxílio doença. Vamos tratar mais detalhadamente cada um desses itens.
Também, recentemente, o Supremo Tribunal Federal exarou uma relevante decisão sobre o salário maternidade, que abordaremos detalhadamente a seguir.
Por outro lado, sabemos que muitas empresas ingressaram com ações questionando verbas como descanso semanal remunerado, horas extras, adicional de horas extras, adicional de insalubridade, adicional de periculosidade, estabilidade de membros de comissão interna de prevenção de acidentes (CIPA). São muitos exemplos de verbas discutidas, mas não focaremos em cada uma delas, já que as decisões tem sido, em sua expressiva maioria, desfavoráveis.
Passemos, então, às verbas que vamos abordar.
- Terço Constitucional de Férias
O terço constitucional de férias, como mencionado, costuma ser discutido em praticamente todas as ações que trataram das contribuições previdenciárias sobre verbas indenizatórias.
A incidência das contribuições sobre a referida verba contou com julgados favoráveis dos tribunais por muitos anos.
Inclusive, o Superior Tribunal de Justiça, pode meio de sua 1ª Seção (que reúne as turmas de direito público), já havia definido a não incidência das contribuições sobre o terço constitucional de férias, no Agravo Regimental no Recurso Especial nº 1.062.530, julgado em 2010. Ou seja, há mais de dez anos vinha se firmando entendimento sólido no sentido de que não haveria a incidência das contribuições sobre terço constitucional de férias.
No entanto, dez anos depois, em agosto de 2020, a questão chegou ao Supremo Tribunal Federal, que reformou o entendimento anteriormente firmado pelo Superior Tribunal de Justiça, definindo que as contribuições previdenciárias poderiam incidir sobre o terço constitucional de férias. O julgado em questão foi o Recurso Extraordinário nº 593.068. Nesse caso, apenas o Ministro Edson Fachin votou contra a incidência.
Considerando o tempo que a decisão em sentido contrário prevaleceu (afastando a incidência), atualmente se vislumbra a possibilidade de o Supremo Tribunal Federal modular os efeitos de sua nova decisão, permitindo que a não incidência prevaleça até essa decisão atual.
No entanto, até isso acontecer, os contribuintes que deixaram de pagar as contribuições sobre o terço constitucional de férias podem ser cobrados dos cinco anos anteriores.
Por outro lado, em relação aos contribuintes que já tenham decisões judiciais transitadas em julgado afastando a incidência, caberia ao Fisco propor ação rescisória, de forma que a decisão do Supremo Tribunal Federal não afetaria, de pronto, esses contribuintes.
- Aviso Prévio Indenizado
O aviso prévio também foi bastante discutido perante o judiciário nas ações que tinham por objeto a incidência de contribuições previdenciárias.
Já há muitos anos, pode-se dizer que a maioria esmagadora dos precedentes era favorável aos contribuintes.
A principal decisão no assunto se deu no Recurso Especial nº 1.230.957/RS, julgado pelo Superior Tribunal de Justiça sob o rito dos recursos repetitivos, em que restou definida a não incidência das referidas contribuições.
A partir dessa decisão, se multiplicaram diversas outras no mesmo sentido, sempre favoravelmente aos contribuintes. Isso levou até mesmo a Receita Federal do Brasil a reconhecer a não incidência da contribuição previdenciária patronal sobre o aviso prévio indenizado, conforme Solução de Consulta COSIT nº 249/2017.
No entanto, a Receita Federal e Procuradoria da Fazenda Nacional reconheciam a não incidência somente da contribuição previdenciária patronal, excluindo, portanto, desse reconhecimento, as contribuições a entidades terceiras e do SAT/RAT.
Posteriormente, a 1ª e 2ª Turma do Superior Tribunal de Justiça passaram a exarar decisões específicas sobre a não incidência das contribuições de terceiro e do SAT/RAT sobre o aviso prévio indenizado. Isso levou a Procuradoria da Fazenda Nacional a exarar novo entendimento, reconhecendo, então, a não incidência também dessas contribuições sobre o aviso prévio indenizado.
Também, o Supremo Tribunal Federal rejeitou recursos fazendários sobre a questão, por entender que a questão não seria constitucional.
Ou seja, considerando todo esse cenário, com decisão do Superior Tribunal de Justiça favorável, decisões do Supremo entendendo que a questão não é constitucional e até mesmo reconhecimento da Receita Federal e Procuradoria da Fazenda, atualmente pode-se considerar seguro o entendimento de que não incidem contribuições previdenciárias sobre aviso prévio indenizado.
- Auxílio Doença
O mesmo recurso repetitivo que tratou do aviso prévio indenizado, Recurso Especial nº 1.230.957/RS, também tratou da incidência das contribuições sobre o auxílio doença, aquele pago ao funcionário nos primeiros quinze dias de afastamento por doença.
Nesse julgado, o Superior Tribunal de Justiça definiu que as contribuições previdenciárias não incidem sobre o auxílio doença.
A Procuradoria da Fazenda tentou recorrer ao Supremo Tribunal Federal, mas este entendeu que a questão seria de cunho infraconstitucional, barrando, assim, os recursos do Fisco.
Ainda há uma expectativa por parte do Fisco de reverter esses julgados no Supremo, apesar de a chance, atualmente, estar bastante remota.
Apesar da atual vitória dos contribuintes na matéria, o Fisco mantém seu entendimento de que as contribuições incidem sobre os valores pagos nos quinze dias que antecedem o auxílio doença, como ocorrido na Solução de Consulta COSIT nº 292/2019. Isso porque a decisão do Superior Tribunal de Justiça, por si só, não vincula a Receita Federal do Brasil.
Assim, é razoavelmente seguro entender que vai prevalecer o entendimento de que as contribuições não incidem sobre os valores pagos nos quinze primeiros dias que antecedem o auxílio doença, mas os contribuintes que deixarem de recolher possivelmente serão questionados pelas autoridades fiscais.
- Salário Maternidade
Uma verba que teve novidades relevantes no ano de 2020 foi o salário maternidade. Em relação a essa verba, as empresas alegavam que não se trataria de contraprestação ao trabalho, eis que presumiria justamente o afastamento das funções laborais.
A questão chegou ao Supremo Tribunal Federal, que reconheceu a repercussão geral da matéria (tema 72). Em agosto de 2020, o Supremo julgou o Recurso Extraordinário nº 576.967, reconhecendo a inconstitucionalidade da cobrança de contribuição previdenciária patronal sobre o salário maternidade.
A União opôs recursos que ainda aguardam julgamento, mas o precedente se demonstrou bastante relevante para as empresas.
Atualmente, a decisão não vincula qualquer órgão da administração federal, como a Receita Federal do Brasil ou a Procuradoria da Fazenda.
No entanto, tem-se um relevante precedente na matéria, que dá segurança para contribuintes discutirem judicialmente a questão ou deixarem de efetuar o recolhimento (nesse caso, com risco de questionamentos).
3. Tema 20 do Supremo Tribunal Federal
Um ponto que ainda representa risco de revés nas vitórias dos contribuintes foi a decisão exarada pelo Supremo Tribunal Federal quando do julgamento do Recurso Extraordinário nº 565.160 (Tema 20).
Nesse processo, não se discutiu propriamente a incidência de contribuições previdenciárias sobre as verbas mencionadas. O objeto da discussão foi a incidência sobre verbas como adicionais de periculosidade e insalubridade, gorjetas, prêmios, adicionais noturnos, ajudas de custo e diárias de viagem (excedentes a 50% do salário recebido), bem como as comissões e quaisquer outras parcelas pagas habitualmente.
Analisando a questão, o Supremo Tribunal Federal reconheceu a repercussão geral do tema e delimitou a discussão sobre a abrangência da expressão “folha de salários”, contida no art. 195, I, da Constituição Federal (que dá suporte à cobrança da contribuição patronal).
Diante da delimitação da questão, o Supremo Tribunal Federal fixou a tese de que “a contribuição social a cargo do empregador incide sobre ganhos habituais do empregado (…)”.
Como se percebe, o verbete foi bastante amplo e poderia ensejar a tese de que as verbas acima mencionadas estariam dentro do conceito de “folha de salários” e seriam, assim, tributáveis.
No entanto, o verbete conferiu segurança aos contribuintes ao restringir sua aplicação às verbas habituais. Por sua natureza, o salário maternidade, aviso prévio indenizado e auxílio doença não são habituais, sendo verdadeiramente pagas excepcionalmente.
Assim, em relação a essas verbas, pode-se dizer que o decidido no Tema 20 não interfere. Em relação a todas as demais verbas habituais, são fortes os argumentos para entender que o decidido no Tema 20 é no sentido de permitir a tributação.
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