Em julgamento virtual realizado no dia 13 de abril de 2021, a 3ª Turma da Câmara Superior do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF), afastou a aplicação da multa de 1% incidente sobre o valor da receita bruta da empresa que havia sido imposta por atraso na apresentação dos arquivos digitais de registros dos negócios e atividades econômicas ou financeiras da companhia.
A fiscalização havia, inicialmente, aplicado multa mais gravosa correspondente a 1% da receita bruta da empresa. Em sua defesa, porém, o contribuinte alegou que, na situação de atraso de entrega de documentos fiscais, deveria ser aplicada multa bem menos gravosa também prevista na legislação tributária em vigor.
A discussão ocorrida no CARF considera qual multa, dentre duas previstas em dispositivos distintos, deveria ser aplicada ao caso concreto: se a mais grave, inicialmente aplicada pela fiscalização, ou a mais branda, defendida pelo contribuinte.
Havendo, ainda que em tese, duas possíveis normas a serem aplicadas à mesma situação, coube ao tribunal administrativo estabelecer os critérios para definição da multa.
De acordo com os conselheiros, tendo sido verificada situação na qual houve escrituração por parte do contribuinte, mas apenas atraso na entrega dos arquivos, deveria ser aplicada multa menos gravosa.
Avaliaremos a previsão contida em cada uma dessas normas e o quanto decidido pelo CARF para melhor elucidar a discussão em questão.
1. A multa do artigo 12 da lei nº 8.218/91
O caso em análise envolveu, conforme já mencionado, atraso na entrega da documentação fiscal entregue por meios eletrônicos. Por esse motivo, a fiscalização lavrou auto de infração impondo penalidade prevista no artigo 12 da Lei n. 8.218/1991.
Pelo texto da referida lei, mais especificamente o quanto estabelecido em seu artigo 11, as pessoas jurídicas que utilizem sistemas de processamento eletrônico de dados para registrar negócios e atividades econômicas ou financeiras, escriturar livros ou elaborar documentos de natureza contábil ou fiscal, ficam obrigadas a manter, à disposição da Secretaria da Receita Federal, os respectivos arquivos digitais e sistemas, pela prazo decadencial previsto na legislação tributária.
Além da obrigação de manter à disposição da fiscalização, a lei ainda estabelece caber à Secretaria da Receita Federal especificar a forma e o prazo em que os arquivos digitais devem ser apresentados.
Pois bem, de acordo com o artigo 12 da lei, a inobservância das regras relacionadas à entrega dos arquivos digitais, disciplinada pela Secretaria da Receita Federal, acarretará a imposição de penalidades. Para as pessoas jurídicas que não cumprirem o prazo estabelecido para apresentação dos registros e respectivos arquivos, há a previsão de multa equivalente a 0,02% (dois centésimos por cento) por dia de atraso, calculada sobre a receita bruta da pessoa jurídica no período a que se refere a escrituração, limitada a 1% (um por cento) desta.
No caso discutido pelo CARF, foi aplicada a multa correspondente a 1% de sua receita bruta da autuada gerou a penalidade de aproximadamente R$ 23 milhões. A empresa buscou reduzir a penalidade alegando que outro dispositivo da legislação tributária vigente deveria ser aplicado ao caso, conforme vamos analisar a seguir.
2. A multa do artigo 57 da MP nº 2.158/01
O segundo dispositivo legal possivelmente aplicável ao caso é o artigo 57 da MP nº 2.158/01. A penalidade prevista pelo referido artigo é bastante inferior àquela do artigo 12 da lei nº 8.218/91, que, no caso analisado pelo CARF, chegou ao montante de R$ 23 milhões.
Nesse sentido, a multa do artigo 57 é aplicável para os casos de apresentação extemporânea de obrigações acessórias, ou seja, nas hipóteses em que os documentos fiscais são apresentados fora do prazo. O inciso I, “b”, prevê a multa de R$ 1.500,00 por mês calendário ou fração, para as pessoas jurídicas em geral.
3. Argumentação do contribuinte
Havendo dois dispositivos prevendo as penalidades aplicáveis ao caso de atraso na entrega de documentação eletrônica, buscou o contribuinte ter reconhecido seu direito de ter contra si aplicada a multa do artigo 57 da MP nº 2.158/2001, e não o artigo 12 da lei nº 8.218/1991.
A argumentação utilizada pelo contribuinte em sua defesa considerou que, havendo duas normas que tratam do mesmo assunto, no caso, a sanção a ser imposta pelo atraso do cumprimento de obrigação acessória, a norma publicada em momento posterior, ou seja, a MP nº 2.158/2001, deveria ser aplicada.
Isso em obediência ao critério cronológico de solução de conflito entre normas, segundo o qual, nos termos do art. 2º, parágrafo 1º, da Lei de Introdução das Normas do Direito Brasileiro, “a lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare, quando seja com ela incompatível ou quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior”.
4. Precedentes apresentados
Em reforço ao seu argumento, o contribuinte apresentou alguns precedentes julgados pelo próprio CARF nos quais não foi aplicado o referido artigo 12 da lei nº 8.218/1991.
Como exemplo, no acórdão nº 1103-000.841, o CARF considerou ter havido revogação tácita do artigo 12 da Lei nº 8.212/91 pelo artigo 57 da MP nº 2.158-35/2001 com a redação do artigo 8º da Lei 12.766/2012. Nesse caso, entendeu-se ser aplicável a retroatividade da lei mais benéfica em matéria de imposição de penalidade, nos termos definidos pelo artigo 106, II, “c”, do Código Tributário Nacional (CTN).
Também foi citado o acórdão nº 9303-008.133, no qual o CARF decidiu que: “O disposto no art. 57, inciso III, da MP 2.158-35/01 com a redação do art. 8º da Lei 12.766/12 prevalece em relação ao art. 12, I, da Lei 8.218/91, na hipótese em que o contribuinte entrega com erros ou omissões à fiscalização os arquivos digitais contábeis no formato – leiaute – definido por ato do Secretário da Receita Federal do Brasil.”
Ainda citado como precedente, o acórdão nº 9303- 007.160 considera que “a luz do art. 106 do CTN, às infrações tributárias pendentes de decisão definitiva, assim como no direito penal, aplica-se a lei intermediária que, posteriormente à data da infração, estabeleça penalidade mais benéfica ao contribuinte, mesmo que essa lei já não esteja mais em vigor por ocasião da sua aplicação. Assim, deve ser observado o disposto no artigo 57 da Medida Provisória nº. 2.158-35/2001, com redação atribuída pela Lei n.º 12.766/2012, afastando-se os artigos 11 e 12 da Lei n.º 8.212/91, que comina pena mais severa ao Contribuinte que apresentou arquivo magnético com incorreção nas informações ou perdeu o prazo para apresentação dos mesmos.”
5. Pareceres Normativos
Ainda sobre a matéria envolvendo o aparente conflito entre as duas normas que tratam da aplicação de multas em relação ao descumprimento de obrigações acessórias, ou seja, o disposto no artigo 57 da MP nº 2.158/2001 e o previsto no artigo 12 da lei nº 8.218/1991, a Receita Federal do Brasil (RFB) emitiu dois pareceres normativos.
O primeiro deles é o de número 3/2013 e tem como objetivo avaliar as consequências, para fins de fiscalização e controle do crédito tributário, da redação dada ao artigo 57 da MP nº 2.158/2001 por conta da modificação produzida pela Lei n. 12.766/2012.
O parecer expressamente conclui que “a multa de que trata o inciso I do art. 57 da MP nº 2.158-35, de 2001, é por atraso na entrega da declaração, demonstrativo ou escrituração digital”. Além disso, em relação à retroatividade da penalidade mais benéfica, esclarece o parecer que “a multa nova mais benéfica retroage para alcançar atos não definitivamente julgados, nos termos do art. 106, inciso II, alíneas “a” e “c”, do CTN”.
O outro é o parecer normativo COSIT nº 3/2015 e, embora se trate de atualização do entendimento expresso no parecer anteriormente mencionado, por conta da nova redação dada ao artigo 57 da MP nº 2.158/2001 por conta da alteração promovida pela lei a Lei n. 12.783/2013, ratifica o entendimento contido no parecer n. 3/2013.
Ambos os pareceres, portanto, indicam que o entendimento da RFB é igual ao pretendido pelo contribuinte em sua argumentação, ou seja, na hipótese em que há apenas atraso na entrega dos documentos fiscais, devem ser aplicadas as multas previstas no artigo 57 da MP nº 2.158/2001.
6. Decisão do CARF
Como adiantado, o CARF acatou a tese do contribuinte, decidindo que, na hipótese em que foi feita a escrituração dos documentos fiscais por parte da empresa, tendo ocorrido apenas atraso no envio da documentação, deve ser aplicada a multa mais branda prevista no artigo 57 da MP nº 2.158/2001, segundo o qual deve ser pago o montante de R$ 1.500,00 por mês calendário ou fração, para as pessoas jurídicas em geral.
A decisão é relevante porque, como se sabe, o atraso no envio de declarações por parte dos contribuintes é fato recorrente no dia a dia tributário, considerando o elevado número de informações e declarações que o Fisco exige.
Também, o precedente fez prevalecer uma multa razoável considerando a conduta de mero atraso no cumprimento da obrigação fiscal.
Nesse caso, diferencia-se, portanto, o mero atraso da completa negativa de formalização das informações exigidas pelo Fisco. A multa mais gravosa, assim, fica restrita a essa segunda hipótese.
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