O Supremo Tribunal Federal finalizou, recentemente, no dia 08 de junho de 2021, o julgamento a respeito da constitucionalidade da tributação de rendimentos oriundos de contratos de swap para fins de hedge.
Nesse artigo, abordaremos os principais pontos da discussão e o quanto decidido pelo Supremo Tribunal Federal nessa ocasião.
1. Introdução: O que são operações de swap e hedge?
Um primeiro passo para entender essa relevante discussão levada até o Supremo Tribunal Federal se refere ao conceito de swap e de hedge.
Em relação ao swap, trata-se de um contrato de troca de indexação de um determinado ativo ou passivo, com o objetivo de proteção contra variação de preços. É comumente observado em empresas com passivos em moeda estrangeira que visam proteção contra variações positivas dessas moedas em relação ao real. Nesse caso, a empresa brasileira com passivos em dólar, por exemplo, celebraria um contrato de swap com uma instituição financeira substituindo a indexação do dólar em relação a esse passivo por outro índice qualquer. Caso o dólar sofresse valorização frente ao real maior do que a variação do índice escolhido, a instituição financeira pagaria à empresa a diferença. Na hipótese inversa, a instituição financeira receberia valores da empresa.
O hedge, por sua vez, é um contrato de cobertura de riscos decorrentes de variações de preços. Pode-se dizer, portanto, que o swap é uma modalidade de hedge, que é mais abrangente. O hedge pode se dar, assim, por outros instrumentos, tais como contratos futuros e de opções.
2. Qual a questão tributária relacionada ao swap com fins de hedge?
A tese que foi julgada no Supremo Tribunal Federal recentemente surgiu com o advento da Lei nº 9.779/1999, que, em seu art. 5o, passou a prever a incidência de imposto de renda retido na fonte sobre rendimentos de swap, inclusive com fins de hedge.
Anteriormente, a Lei nº 8.981/1995 previa a isenção desses rendimentos, desde que obtidos em contratos efetivamente com fins de hedge, em oposição àqueles obtidos com finalidade especulativa.
Nesse sentido, os contribuintes defendiam que não haveria acréscimo patrimonial tributável, já que eventuais valores a serem recebidos por força dos contratos de hedge apenas visariam a recompor eventuais perdas por variações de preço, cambiais etc.
Dessa forma, em não havendo acréscimo patrimonial, a tributação desrespeitaria o disposto no art. 43 do CTN, bem como no art. 153, III, da Constituição Federal. Dessa primeira assertiva, decorreriam outras teses, tais como de que a tributação seria, na realidade, um empréstimo compulsório, bem como que se trataria de tributação com efeitos de confisco.
No caso concreto, o contribuinte cujo recurso chegou ao Supremo Tribunal Federal foi o Playcenter. À época dos fatos, o Playcenter tinha passivos em dólar e firmou com instituição financeira um contrato de swap para se proteger de variações cambiais. O contrato previu a troca do risco pela taxa de remuneração do depósito interbancário (“DI”). Ou seja, se o dólar subisse mais que a taxa DI, o banco pagaria ao Playcenter a diferença do valor dos passivos em dólar, menos o valor dos passivos corrigidos pela referida taxa DI. Dessa forma, caso houvesse o aumento do dólar, o Playcenter estaria devidamente protegido, já que o banco arcaria com essa diferença entre a variação do dólar e da taxa DI.
O Playcenter, na linha dos demais contribuintes, defendeu, então, que os valores a serem eventualmente pagos pelo banco no caso do aumento do valor do dólar não teriam natureza de renda, eis que visariam tão somente a recomposição patrimonial relativa ao aumento do valor do passivo considerando a variação cambial.
Ou seja, na visão dos contribuintes, considerando que a receita no contrato de swap presumiria necessariamente um aumento de um passivo ou diminuição de um ativo, ter-se-ia somente uma recomposição, algo que nada de novo acresceria ao patrimônio da empresa.
3. Como andava a jurisprudência?
Como mencionamos, a norma em discussão é do ano de 1999, mesmo ano em que o Playcenter ingressou com a ação, ou seja, a matéria já era discutida há muitos anos no judiciário.
Desde então, diversos tribunais tiveram a oportunidade de enfrentar os argumentos recentemente analisados pelo Supremo Tribunal Federal e, em todos os casos anteriores analisados por outros tribunais, não se tem notícia de vitória dos contribuintes.
Nesse ponto, já em 2005, o Superior Tribunal de Justiça contava com, ao menos, dois precedentes desfavoráveis aos contribuintes (REsp nº 671.278/RJ e AgREsp nº 782.747). Ou seja, há ao menos 15 anos, a questão já tinha chegado a uma corte superior com decisão desfavorável aos contribuintes.
No âmbito dos Tribunais Regionais Federais, o Tribunal da 3a Região, responsável por São Paulo e Mato Grosso do Sul, analisou a tese já em 2003, julgando a questão também de forma desfavorável ao contribuinte (Processo nº 0024315-43.1999.4.03.6100).
O TRF da 2a Região, que abrange o Rio de Janeiro e Espírito Santo, por sua vez, teve seu primeiro precedente, também desfavorável, exarado em 2002 (Processo nº 0044890-61.2002.4.02.0000), que teria sido o primeiro caso analisado pelo judiciário em segunda instância.
O TRF da 4a região, por sua vez, que abrange os estados do sul do país, também tem precedentes desfavoráveis desde 2002 (Apelação em MS nº 77497).
Por fim, o TRF da 1a Região, que abrange Minas Gerais, alguns estados do Centro-Oeste e do Norte, fixou entendimento contrário à tese defendida pelos contribuintes no ano de 2003.
Como se observa, portanto, os tribunais pátrios, antes da recente decisão do Supremo Tribunal Federal, foram unânimes ao afastar os argumentos dos contribuintes e entender devida a cobrança.
Assim, a recente decisão desfavorável do Supremo não representa exatamente uma mudança da linha que vinha sendo adotada pelo judiciário como um todo.
De toda forma, ainda havia expectativa no julgamento, já que, em outras ocasiões, o Supremo já concedeu vitórias aos contribuintes em teses que tinham sido derrotadas em todos os tribunais, inclusive nos Tribunais Regionais Federais citados e no Superior Tribunal de Justiça, como ocorreu no caso do ICMS na base do PIS e da COFINS.
4. A decisão do Supremo
Como adiantado, o argumento defendido pelos contribuintes seria o de que não haveria renda a ser tributada nos casos de receitas oriundas de contratos de swap para fins de hedge. Isso porque, haveria tão somente uma recomposição de uma perda oriunda da variação de um preço ou índice. Nesse sentido, os contribuintes não teriam qualquer acréscimo patrimonial apto a justificar a incidência tributária.
Analisando o caso, especificamente o Recurso Extraordinário nº 1.224.696, o Ministro Marco Aurélio, relator do caso, entendeu que, em havendo saldos a receber oriundos de operações de swap com fins de hedge, haveria a materialidade apta a justificar a exigência do imposto de renda.
Para fundamentar esse entendimento, o Ministro Marco Aurélio entendeu que, juridicamente, nos casos de swap, se tem “dois atos negociais diversos e independentes, regidos por normas específicas”. Haveria, assim, o contrato principal, sujeito a oscilações a depender de índices ou variações cambiais, e o segundo contrato, de cobertura, visando a resguardar a empresa dos riscos do primeiro contrato.
Nessa linha, o Ministro Marco Aurélio ressaltou que, ainda que os contratos sejam relacionados, são absolutamente autônomos, já que contam com partes e objetos diferentes. Assim, na visão do Ministro Marco Aurélio, a análise da existência de riqueza nova deve se ater ao contrato de swap.
O fato de os valores do swap se destinarem a cobertura de uma perda teriam, portanto, natureza de mera destinação da riqueza adquirida com esse contrato.
Por sua vez, o Ministro Alexandre de Moraes, que também elaborou voto, pontuou, além da concordância com o exposto pelo Ministro Marco Aurélio, o fato de que sempre houve a tributação do ganho do swap para fins de hedge, de tal forma que o regime anterior previa tão somente o diferimento da tributação, sem a incidência na fonte.
O julgamento se encerrou com a fixação da seguinte tese: “é constitucional o artigo 5º da Lei nº 9.779/1999, no que autoriza a cobrança de Imposto de Renda sobre resultados financeiros verificados na liquidação de contratos de swap para fins de hedge”.
5. Conclusões
Com a finalização do julgamento, o Supremo Tribunal Federal encerrou um longo debate entre fisco e contribuintes que já durava mais de duas décadas.
Apesar da longa duração do debate e de diversas decisões desfavoráveis aos contribuintes, ainda havia expectativa em relação à tese. Primeiro porque o dispositivo legal que restou analisado permanece o mesmo e, segundo, porque, como mencionamos, já houve casos em que o Supremo Tribunal Federal deu vitória aos contribuintes revertendo a jurisprudência firmada em todos os outros tribunais pátrios ao longo de muitos anos.
De toda forma, com a decisão do Supremo desfavorável aos contribuintes, pode-se considerar o debate como devidamente encerrado. Inclusive, considerando o julgamento pela sistemática da repercussão geral, o resultado dado pelo Supremo será aplicado aos demais processos judiciais em curso.
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