Encontra-se em discussão perante o Supremo Tribunal Federal (STF) a constitucionalidade da cobrança de Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (CIDE) sobre valores remetidos ao exterior a título de royalties e remuneração de serviços técnicos e de assistência técnica.

A incidência da CIDE é contestada no Recurso Extraordinário (RE) n. 928.943/SP, no qual a empresa Scania Latin America Ltda., inconformada com o acórdão proferido pelo Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3), busca ver declarada a inconstitucionalidade da mencionada contribuição.

Como já foi reconhecida a repercussão geral da matéria, o entendimento a ser manifestado pelo STF poderá ser utilizado por outros contribuintes que se encontrem na mesma situação.

Para que você possa entender o que será julgado pelo Supremo, e quais impactos isso poderá gerar no seu negócio, elaboramos o roteiro abaixo, abrangendo as principais perguntas que devem ser respondidas sobre o assunto.

1. O que é a CIDE?

Antes de esmiuçar a questão que o STF terá de enfrentar, a partir dos argumentos apresentados pelo contribuinte para questionar a constitucionalidade da CIDE no mencionado RE, cumpre destacar o tratamento conferido a essa contribuição pela Constituição.

A CIDE é tributo que se encontra previsto no art. 149 da Constituição Federal de 1988. De acordo com o mencionado dispositivo legal, compete exclusivamente à União instituir contribuições sociais, de intervenção no domínio econômico e de interesse das categorias profissionais ou econômicas, como instrumento de sua atuação nas respectivas áreas.

Ainda nos termos definidos pela Constituição, deve a instituição da CIDE observar os princípios aplicáveis à instituição tributária, a exemplo do princípio da legalidade e do princípio da anterioridade.

Ou seja, a CIDE é uma espécie de tributo que só pode ser instituída pela União Federal, e que serve de instrumento para intervir no domínio econômico – área normalmente reservada à atuação do mercado e que só pode sofrer atuação do Estado em hipóteses específicas.

2. Qual é a CIDE que está sendo questionada perante o STF?

A CIDE cuja constitucionalidade está sendo questionada perante o STF é aquela que foi instituída por meio da lei n. 10.168/2000 para atender ao Programa de Estímulo à Interação Universidade-Empresa para o Apoio à Inovação. O objetivo principal do mencionado Programa é estimular o desenvolvimento tecnológico brasileiro, mediante programas de pesquisa científica e tecnológica cooperativa entre universidades, centros de pesquisa e o setor produtivo. A CIDE, nessa hipótese, é conhecida como CIDE-royalties.

Nesse contexto, a CIDE é devida pela pessoa jurídica detentora de licença de uso ou adquirente de conhecimentos tecnológicos, bem como aquela signatária de contratos que impliquem transferência de tecnologia, firmados com residentes ou domiciliados no exterior.

A partir de 2002, e por força da redação dada pela Lei n. 10.332/2001, a CIDE-royalties passou a ser devida, também, pelas pessoas jurídicas signatárias de contratos que tenham por objeto serviços técnicos e de assistência administrativa e semelhantes a serem prestados por residentes ou domiciliados no exterior, bem assim pelas pessoas jurídicas que pagarem, creditarem, entregarem, empregarem ou remeterem royalties, a qualquer título, a beneficiários residentes ou domiciliados no exterior.

Ainda nos termos da lei n. 10.168/2000, os valores arrecadados com a CIDE-royalties deverão ser destinados ao Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – FNDCT, sendo alocados em categorias de programação específica e conforme estipulado em regulamento.

É importante deixar claro que, a partir de 2002, com as alterações promovidas pela lei n. 10.332/2001, a CIDE-royalties passou a ser devida a qualquer remessa de royalties, bem como de serviços técnicos e assistência técnica. Essa ampliação da incidência, no entanto, não é objeto desse processo a ser analisado pelo STF.

3. Quais argumentos o contribuinte apresentou para sustentar a inconstitucionalidade da CIDE?

A empresa havia sustentado a tese de que a CIDE-royalties seria inconstitucional por diversos argumentos: não ter sido instituída por lei complementar, faltar a afetação a uma finalidade constitucional que autorizasse sua criação, não haver requisito essencial da referibilidade e violação ao princípio da isonomia. Apresentaremos com maior profundidade os argumentos a seguir.

Considerando que a CIDE-royalties foi instituída como forma de proporcionar maior estímulo ao desenvolvimento tecnológico brasileiro, a empresa argumenta que não há nenhum tipo de intervenção ou regulação de atividade econômica por parte do Estado, teria sido instaurado apenas um programa de estímulo custeado pela contribuição.

Haveria, assim, apenas a instituição de fonte de custeio para promoção e incentivo das atividades de desenvolvimento científico, tecnológico e pesquisa, atividades que, em princípio, já estariam no rol daquelas que devem ser financiadas pela União, uma vez que se trataria de atividades educacionais ou relacionadas ao ensino cujo financiamento já se encontra previsto na própria Constituição, em seu art. 212.

A utilização dos recursos da CIDE-royalties, de acordo com a argumentação da empresa, significaria instituição de nova fonte de arrecadação para um tipo de atividade que já tem financiamento especificado. Sustenta a empresa, portanto, haver desvio de finalidade da contribuição em questão.

Outro argumento apresentado para justificar a inconstitucionalidade da CIDE em comento é a falta de referibilidade entre o grupo beneficiado pela CIDE-royalties e o grupo onerado. De acordo com o entendimento manifestado pela empresa, o sujeito passivo da CIDE-royalties só poderia ser alguém que pertença ao grupo ou setor sob intervenção, que tenha interesse especial na atividade estatal, que tenha gerado os gastos especiais do Estado na atividade reguladora ou, ainda, que dela aufiram benefício diferenciado. Isso não ocorreria no caso dos importadores de tecnologia, contribuintes da CIDE-royalties, e universidades ou centros de pesquisa, que seriam o grupo beneficiado pela contribuição.

A empresa sustenta, ainda, ser necessária lei complementar que discipline a matéria, bem como violação do princípio da isonomia.

4. O que entendeu o TRF3?

A decisão proferida pelo TRF3 havia entendido ser devido o recolhimento de CIDE-royalties sobre valores remetidos ao exterior por conta de um contrato de compartilhamento de custos, também conhecido como contrato de cost sharing, assinado entre a empresa localizada no Brasil e sua matriz, localizada na Suécia.

Referido contrato tem por objeto o rateio, entre os diversos estabelecimentos da empresa pelo mundo, das despesas incorridas pela matriz, na pesquisa e desenvolvimento de conhecimentos técnicos e especializados relacionados aos produtos comercializados pela empresa.

A decisão proferida pelo TRF3, não acatando os argumentos apresentados pela empresa, entendeu legítima a exigência da CIDE-royalties, uma vez que o objeto do contrato firmado entre a empresa e sua matriz no exterior envolvia a transferência de tecnologia.

Diante da decisão do TRF3, a empresa apresentou o Recurso Extraordinário que deverá ser analisado pelo STF, sob regime de repercussão geral.

5. Próximos passos

Como mencionado, a discussão que aguarda julgamento no STF se refere à constitucionalidade da CIDE-royalties de maneira geral.

O julgamento ainda não foi iniciado. O STF até tinha designado data para iniciar a discussão, mas houve o adiamento sem previsão de retorno.

Considerando a amplitude da discussão, caso os contribuintes saiam vencedores da tese, diversos contribuintes poderiam buscar o judiciário, inclusive para reaver os montantes pagos nos cinco anos anteriores.

Nesse contexto, é válido relembrar que o STF vem modulando os efeitos das decisões a favor dos contribuintes. Em alguns casos, foram assegurados os créditos somente para as empresas que ingressaram com ações antes do julgamento da tese, o que poderia se repetir nesse caso.

Em caso de dúvidas, envie uma mensagem para contato@taxcel.com.br


0 comentário

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Share This