Em julgamento realizado no dia 7 de novembro de 2023, a primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) manifestou importante entendimento em relação à impossibilidade de cumulação de multas tributárias.
Trataremos deste assunto no presente artigo, acompanhe.
Quais multas foram objeto de discussão?
O acórdão do Tribunal Regional Federal da 4ª Região afirmou em seu relatório que a controvérsia versava sobre multas de caráter aduaneiro, sendo a primeira delas a multa de 30% sobre o valor aduaneiro por importação sem a devida licença (com base no art. 706, I do Decreto nº 6.759/2009), e a segunda a multa de 1% do valor aduaneiro por classificação incorreta de mercadorias na NCM (com base no art. 84 da MP nº 2.158-35/2001). O contribuinte então discutiu a impossibilidade de cumulação dessas multas.
Por sua vez, o STJ julgou a questão sob a ótica do art. 44 da Lei nº 9.430/96, que estabelece a multa de 75% sobre o valor não recolhido de tributos (multa de ofício) e a multa de 50% sobre o pagamento mensal não realizado (multa isolada).
De toda forma, a questão seria justamente a possibilidade de cumulação de multas para condutas idênticas ou ao menos similares.
O que foi objeto de decisão pelo STJ?
A primeira Turma do STJ analisou, no Recurso Especial nº 1.708.819/RS, questão na qual o contribuinte havia pleiteado, por meio de Mandado de Segurança, a declaração de impossibilidade de cumulação de multas que teriam sido aplicadas pelas mesmas razões.
Tanto a decisão do juízo de primeiro grau, quanto à do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF 4) haviam denegado a ordem, ou seja, proferido decisão contrária àquela pretendida pelo contribuinte. Diante das negativas, o contribuinte apresentou Recurso Especial perante o STJ. No TRF4, entendeu-se que as multas aduaneiras por importação sem licença e por classificação incorreta não assumiriam a mesma natureza e puniriam condutas ilícitas distintas.
O relator do caso, Ministro Sérgio Kukina, apresentou voto no sentido de que não seria possível a aplicação conjunta e concomitante das duas multas, citando o referido art. 44 da Lei nº 9.430/96, no sentido de que não caberia, ao mesmo tempo, a exigência da multa de ofício sobre a falta de recolhimento de imposto e da multa isolada, sobre a falta de recolhimento de pagamentos mensais obrigatórios.
Ademais, para fundamentar seu posicionamento, o Ministro relator afirmou que, sendo as multas tributárias aplicações de sanções, deveria ser aplicada a elas a mesma lógica aplicável ao direito penal, no que diz respeito à aplicação da pena. Assim, a aplicação das multas tributárias estaria sujeita ao princípio da consunção, segundo o qual “a infração mais grave abrange aquela menor que lhe é preparatória ou subjacente”.
O Ministro relator apresentou, ainda, jurisprudência do próprio STJ que indicava a impossibilidade de aplicação conjunta de multa isolada e de multa de ofício, a exemplo dos seguintes acórdãos: AgInt no AREsp n. 1.603.525/RJ, AgRg no REsp 1.576.289/RS, e AgRg no REsp 1.499.389/PB.
Por fim, o relator ainda mencionou que o entendimento por ele adotado estava em linha com aquele referendado pelo Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF), inclusive citando recente acórdão da 1ª Turma (Acórdão nº 9101-006.617, julgado em 13 de junho de 2023), segundo o qual “as multas isoladas, aplicadas em razão da ausência de recolhimento de estimativas mensais, não podem ser cobradas cumulativamente com a multa de ofício pela ausência de recolhimento do valor apurado no ajuste anual do mesmo ano-calendário. Deve subsistir, nesses casos, apenas a exigência da multa de ofício, restando as multas isoladas absorvidas por esta. Em se tratando de penas, a punição pela infração-meio é absorvida pela penalidade aplicada à infração-fim”.
Ao final, a 1ª Turma do STJ deu provimento ao recurso especial por unanimidade, nos termos do voto apresentado pelo Ministro relator Sério Kukina.
E qual a relevância dessa decisão do STJ?
Assim, ainda que não tenha abordado especificamente as multas mencionadas no acórdão do TRF4, a decisão do STJ se demonstra relevante por admitir expressamente a aplicação do princípio da consunção, segundo o qual as multas mais gravosas absorveriam as multas menos gravosas ou acessórias.
Nesse sentido, a decisão do STJ pode ser relevante para, por exemplo, aplicação de multa de erro em obrigações acessórias nos casos de lançamento do ofício já com cobrança de multa de 75% sobre os tributos cobrados. A aplicação do princípio da consunção poderia levar a se entender que a multa de obrigações acessórias estaria absorvida pela multa de ofício.
Nesse caso, a discussão está longe do fim, especialmente no que se refere a multas por erro ou descumprimento de obrigações acessórias, mas o reconhecimento expresso da aplicação do princípio da consunção pode ser um relevante marco para os contribuintes.
Dúvidas? Contate o Redator
0 comentário