Neste artigo, daremos continuidade à série de informativos em que avaliamos a burocracia tributária no Brasil. Além do artigo de introdução (que você pode ler aqui), já apresentamos um a respeito da complexidade das declarações fiscais no país. Neste artigo, vamos abordar o tema da diversidade de declarações e tributos, e apontar alguns motivos que fazem com que tanta diversidade possa dificultar o cumprimento de obrigações tributárias no país. Acompanhe!
Diversidade de tributos: obediência às competências definidas pela Constituição
Para entender a origem de todos os tributos instituídos no Brasil, é preciso conhecer, ao menos um pouco, as regras estabelecidas na Constituição Federal de 1988. A Constituição estabelece as competências tributárias, ou seja, define qual ente federativo é responsável por quais tributos. Definas as competências, leis deverão ser utilizadas para criar tributos.
Porém, há no Estado brasileiro diversos entes federativos: a União, os Estados, O Distrito Federal e os Municípios. E, inclusive como foram de assegurar a autonomia de cada um dos mencionados entes, cada um possui competência para determinados tributos.
À União, por exemplo, cabe o Imposto de Renda (IR), o Imposto de Importação (II), Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) etc. Já os Estados podem instituir impostos sobre a transmissão de heranças e doações (ITCMD), sobre as operações de circulação de mercadorias e prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação (ICMS) etc. E os Municípios têm competência para instituir impostos sobre Serviços de qualquer natureza (ISS) e Propriedade Predial e Territorial Urbana (IPTU), dentre outros. Já o Distrito Federal, que é ente federativo com peculiaridades, possui competências tributárias características de Estados e Municípios.
Respeitadas as normas gerais estabelecidas nacionalmente, cada ente federativo pode editar leis sobre os tributos de sua competência. Isso significa que cada Estado pode definir suas próprias regras relativas ao ICMS de sua competência, e cada Município pode estabelecer uma lei distinta prevendo as regras para a cobrança de seu ISS.
Em relação ao ICMS, incidente, via de regra, sobre operações que envolvem a circulação de mercadorias, vale lembrar que há, no país, 26 Estados, além do Distrito Federal, cada um com suas regras de ICMS próprias. É claro que respeitando padrões mínimos estabelecidos na Lei Complementar 87/1996, mas cada Estado possui seu próprio regulamento, instituindo substituição tributária, regimes especiais, obrigações acessórias, processo tributário etc.
Da mesma forma, os Municípios devem observar a Lei Complementar nº 116/2003, mas podem regulamentar diversos aspectos relativos à instituição e cobrança do ISS, havendo, atualmente, mais de 5 mil municípios no Brasil.
Além da competência para instituir impostos que acabamos de mencionar, há ainda mais regras para a instituição e cobrança das outras espécies tributárias. Hoje, de acordo com o entendimento manifestado pelo Supremo Tribunal Federal, considera-se que são cinco as espécies tributárias no Brasil de acordo com a constituição (incluindo os impostos): taxas, contribuições de melhoria, empréstimos compulsórios e contribuições especiais.
Destas, a maior parte das empresas conhece muito bem as contribuições especiais, que por sua vez se subdividem em contribuições sociais, contribuições de intervenção no domínio econômico e contribuições de interesse de categoria profissional ou econômica. Como exemplo de contribuição social, tem-se a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), a contribuição ao PIS e a COFINS, bem como a contribuição sobre a folha de salários. As contribuições de intervenção no domínio econômico, por outro lado, podem ser exemplificadas nas CIDEs propriamente ditas e contribuições do sistema S. As empresas ainda tem de arcar com taxas, como aquelas de fiscalização de estabelecimento, taxas relativas a coleta e tratamento de lixo etc.
Especificamente em relação à Contribuição ao PIS e à COFINS, e apenas para ilustrar a diversidade de regimes tributários, vale mencionar, ainda, o fato de haver duas sistemáticas distintas de incidência destas mencionadas contribuições: a cumulativa e a não-cumulativa. Há regras específicas para cada uma destas contribuições em cada uma das possíveis sistemáticas de incidência.
Além disso, diversos tributos estão sujeitos a distintas sistemáticas de apuração, a exemplo da sistemática do Lucro Real e do Lucro Presumido para apuração do Imposto de Renda das Pessoas Jurídicas, regimes diferenciados de ISS para as sociedades uniprofissionais, regimes de Substituição Tributária aplicáveis no caso do recolhimento do ICMS e todo um regime diferenciado que é aplicável à importação de produtos.
A explicação é longa, mas a conclusão é bastante simples: há uma enorme quantidade de tributos previstos no sistema tributário brasileiro, cada um com uma regra matriz de incidência própria, e muitos com regras locais distintas.
Para cada tributo, várias obrigações acessórias
Já vimos que há inúmeros tributos instituídos no Brasil, e que cada ente federativo tem competência para instituir determinados tributos. Pois bem, além da instituição, a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios deverão arrecadar e, por consequência, fiscalizar o pagamento dos mencionados tributos.
Ou seja, para operacionalizar a arrecadação e fiscalização, devem ser criadas inúmeras obrigações acessórias, que são todas aquelas prestações que os contribuintes são obrigados a fazer (ou não fazer), como preencher e enviar declarações, manter os livros fiscais etc. Isso significa que uma empresa está obrigada a elaborar e enviar diversas declarações, de acordo com as atividades que desenvolve.
Isso não significa automaticamente que a carga tributária seja alta (e até é, como vimos no artigo inicial). O problema aqui é que a carga tributária é segregada em tantos tributos que torna o cumprimento de todas as regras complexo, bem como o atendimento a todas as obrigações bastante trabalhoso.
Essa grande diversidade de tributos acaba por refletir-se, portanto, em alta burocracia tributária, pois, inevitavelmente, cada tributo terá suas peculiaridades e especificidades, bem como obrigações acessórias correlatas. Apena para ilustrar a grande quantidade e diversidade de declarações e obrigações acessórias relacionadas a tributos, o universo do SPED compreende as seguintes informações:
- ECF, a Escrituração Contábil Fiscal;
- EFD ICMS IPI, Escrituração Fiscal Digital relativa a ICMS e IPI;
- EFD Contribuições, Escrituração Fiscal Digital relativa à Contribuição ao PIS/Pasep e COFINS;
- EFD Reinf, Escrituração Fiscal Digital de Retenções e Outras Informações Fiscais;
- eSocial, Sistema de Escrituração Digital das Obrigações Fiscais, Previdenciárias e Trabalhistas;
E veja-se que, considerando os tributos que não estão centralizados na União, há declarações que podem variar a depender de estado para estado ou município para município. Por exemplo, no caso do Bloco K da EFD ICMS IPI, alguns estados como Minas Gerais e São Paulo dispensaram os contribuintes do preenchimento do registro 0210. Ou seja, os contribuintes devem estar atentos a um nível de informação bastante detalhado para atender corretamente todos os entes e órgãos a relação a todos os tributos.
É claro que nem todas as empresas estão obrigadas a preencher e enviar todas as declarações constantes do universo SPED, mas é possível ter uma ideia da complexidade do sistema tributário brasileiro com base na quantidade e na diversidade de declarações e obrigações acessórias que são devidas pelos contribuintes.
Conclusão
Em continuidade à série de artigos nos quais pretendemos elaborar um Raio X da burocracia tributária no Brasil, procuramos demonstrar, neste terceiro post, que o fato de haver grande diversidade de tributos e declarações é um relevante fator de aumento da complexidade da burocracia tributária no Brasil.
Em caso de dúvidas, entre em contato com contato@taxcel.com.br
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