Desde a edição do CTN, está prevista a possibilidade de o Fisco celebrar transação com os contribuintes, conforme art. 171. De acordo com esse artigo, a lei pode estabelecer condições e requisitos de transação entre Fisco e contribuintes.

Foi o que ocorreu por meio da Lei nº 13.988/2020, que estabeleceu a possibilidade de o Fisco Federal transacionar com contribuintes, atendidas as condições previstas em Lei.

Em março de 2021, nós escrevemos um texto tratando das principais regras da transação tributária em vigor (que pode ser acessado aqui).

Agora, diante das recentes atualizações relativas à transação tributária, preparamos esse guia atualizado sobre o tema. Confira!

1. As modalidades de transação existentes

Atualmente, encontram-se abertas as seguintes modalidades de transação:

  • Transação de dívida ativa do FGTS (Edital nº 03/2021): destinado ao empregador que possua débitos de FGTS em valor inferior a R$ 1 milhão;
  • Programa emergencial para retomada do setor de eventos (Lei nº 14.148/2022): destinado às empresas do setor de realização ou comercialização de congressos, feiras, eventos esportivos, shows, festas, espetáculos em geral, buffets sociais e infantis, casas de show, hotelaria, salas de exibição cinematográfica etc.;
  • Programa de regularização do Simples Nacional (Lei Complementar nº 174/2020): destinado ao microempreendedor individual e empresa de pequeno porte, para débitos do Simples Nacional vencidos até 30/06/2022;
  • Transação de pequeno valor do Simples Nacional (Edital nº 01/2022): destinado ao microempreendedor individual e empresa de pequeno porte, para débitos do Simples Nacional inferiores a 60 salários-mínimos e vencidos até 31/12/2021;
  • Transação de pequeno valor (Edital 16/2020): destinado aos contribuintes com débitos inscritos em dívida ativa há mais de 1 ano e com valor inferior a 60 salários-mínimos;
  • Transação extraordinária (Lei nº 13.988/2020): destinado a débitos em geral, de pessoas físicas e jurídicas, exceto FGTS;
  •  Transação excepcional: (Lei nº 13.988/2020): destinado a débitos em geral, de pessoas físicas e jurídicas, para débitos de até R$ 150 milhões, exceto FGTS;
  • Transação Excepcional para rurais e fundiários (Lei nº 13.988/2020): destinado aos produtores rurais e agricultores familiares, referentes a débitos de operações de crédito rural, fundo de terras e da reforma agrária e do acordo de empréstimo 4.147-BR;
  • Transação do Funrural (Lei nº 13.988/2020): destinada a débitos relativos ao Funrural;
  • Acordo individual por proposta do contribuinte (Lei nº 13.988/2020): destinado a contribuintes que apresentem propostas de negociação de dívida juntamente à PGFN, aplicável a devedores com débitos maiores que R$ 15 milhões, devedores falidos ou em recuperação judicial, entes públicos, dívidas suspensas por decisão judicial superiores a R$ 1 milhão e devidamente garantidas e devedores com débitos de FGTS inscritos em dívida superiores a R$ 1 milhão; e
  • Acordo individual por proposta do contribuinte em recuperação judicial (Lei nº 13.988/2020): destinado a contribuintes em recuperação judicial que desejem formular uma proposta de negociação de dívida juntamente à PGFN.

Para todas essas modalidades, o prazo de adesão atual é 31/10/2022.

De acordo com a Lei nº 13.988/2020, a transação pode contemplar os benefícios de desconto em multa, juros e encargos legais, bem como oferecer prazos e formas de pagamento especiais, permitir a utilização de prejuízos fiscais e bases de cálculo negativas de CSLL para quitação dos débitos e, por fim, autorizar a utilização de precatórios para quitação dos débitos.

Por outro lado, não é permitida a transação que resulte em redução do montante principal do crédito tributário, ou redução superior a 65% dos créditos transacionados. Também não é permitida a concessão de prazo superior a 120 meses para quitação dos tributos e, por fim, não é permitida transação em relação a créditos não inscritos em dívida ativa (exceto em contencioso administrativo, por proposta da Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil, por adesão, ou por iniciativa do contribuinte).

Já houve outras transações cujo prazo para adesão encontra-se atualmente encerrado. Pode-se destacar especialmente as relativas a débitos de contribuições previdenciárias sobre participação nos lucros e resultados pagas a diretores, cujo prazo se encerrou em 31/08/2021. Também houve a transação de débitos relacionados à discussão de amortização fiscal de ágio, com prazo findo em 29/07/2022.

2. O que mudou com a recente Lei nº 14.375/2022

Traçado esse panorama geral sobre a transação no âmbito federal, é importante salientar que, em junho de 2022, entrou em vigor a Lei nº 14.375/2022, fruto da conversão em Lei da Medida Provisória nº 1.090/2021.

Essa nova Lei trouxe relevantes alterações à Lei nº 13.988/2020, passando a dispor:

  • Que os débitos junto à Receita Federal do Brasil passariam a ser sujeitos à transação;
  • Que o total do desconto fornecido poderia ser de até 65% (antes era de até 50%);
  • Que o débito poderia ser parcelado em até 120 meses (antes o prazo era de até 84 meses);
  • Que o contribuinte poderia se utilizar de prejuízo fiscal e base negativa de CSLL para quitar até 70% do saldo de débito remanescente, bem como utilizar precatório (anteriormente, somente era autorizado o pagamento em dinheiro); e
  • Que os descontos obtidos no programa de transação não seriam tributáveis pelo IRPJ, CSLL, PIS e COFINS.

Sobre o item “i” acima, é importante salientar que nem todos os débitos sob responsabilidade da Receita Federal do Brasil podem ser objeto de transação, mas tão somente aqueles em que haja discussão administrativa, seja por proposta da Secretaria da Receita Federal, seja por adesão ou por proposta do contribuinte.

Em relação ao item “v”, possivelmente ainda surgirão discussões sobre a mais correta interpretação, já que, na visão das autoridades fiscais, em não havendo exclusão expressa, haveria a tributação dos descontos. Isso gera discussão porque, até a Lei nº 14.375/2022, a Lei nº 13.988/2020 era silente a esse respeito. Ou seja, é provável que as autoridades entendam que somente após a vigência da nova Lei, em junho de 2022, é que não haveria a cobrança de IRPJ, CSLL, PIS e COFINS sobre os descontos obtidos em transações fiscais.

3. A recente regulamentação da Receita Federal do Brasil

Em 12/08/2022, foi publicada a Portaria nº 208/2022, que regulamenta a transação perante a Receita Federal do Brasil.

Como mencionado acima, a Lei somente autoriza transações perante a Receita Federal de débitos que estejam em litígio administrativo.

Nesse sentido, a recente Portaria nº 208/2022 definiu débitos em litígio administrativo como aqueles que sejam objeto de petições e recursos administrativos previstos na legislação em vigor que regulamenta o processo administrativo fiscal federal (Decreto nº 70.235/1972, Decreto nº 7.574/2011 e Lei nº 9.784/1999).

Como modalidades de transação, a RFB previu em sua portaria o oferecimento de descontos para débitos considerados irrecuperáveis ou de difícil recuperação, parcelamento, diferimento ou moratório, flexibilização de regras relacionadas a arrolamentos e garantias, aceitação de créditos em precatórios ou decisões judiciais transitadas em julgado como pagamento, bem como a aceitação de prejuízos fiscais e bases negativas de CSLL para quitação de débitos, até o limite de 70% do débito após descontos.

A Portaria prevê que os créditos tributários somente serão considerados extintos após a quitação de todos os requisitos por parte do contribuinte. Por outro lado, o simples requerimento de adesão já suspende os trâmites do processo administrativo correlato. Com a formalização do acordo, se houver parcelamento ou moratória, há a suspensão de exigibilidade enquanto perdurar o acordo.

Por fim, a Portaria estabelece critérios para aferir a recuperabilidade dos créditos fiscais, prevendo que será levada em consideração a existência de garantias, o custo da cobrança administrativa, a perspectiva de êxito da cobrança, a situação econômica do contribuinte, aferida de acordo com as condições que o contribuinte teria de quitar integralmente os débitos sem descontos no prazo de cinco anos.

A Receita Federal, com base nesses critérios, classificará os débitos da seguinte forma:

  • Créditos tipo A, tendo estes alta perspectiva de recuperação;
  • Créditos tipo B, tendo estes média perspectiva de recuperação;
  • Créditos tipo C, tendo estes perspectiva de difícil recuperação;
  • Créditos tipo D, sendo estes considerados irrecuperáveis.

Sobre os créditos do tipo D, assim serão considerados aqueles constituídos há mais de 10 anos, de titularidade de devedores falidos, em recuperação judicial ou extrajudicial, em liquidação judicial, em intervenção ou liquidação extrajudicial, de titularidade de estabelecimentos com CNPJ baixado por inaptidão, inexistência de fato etc.

A Receita Federal dará conhecimento aos contribuintes a respeito da sua classificação de situação econômica, sendo que este poderá recorrer de tal classificação, caso entenda ser-lhe aplicável uma mais benéfica.

Por fim, a RFB regulamentou a quitação de débitos com precatórios, estabelecendo ser necessária, após a formalização da transação, a realização de cessão fiduciária do direito creditório à União, por meio de escritura pública, seguida de comunicação ao juiz da causa a respeito da cessão fiduciária.

4. A recente regulamentação da Procuradoria Geral da Fazenda Nacional

A Procuradoria Geral da Fazenda Nacional também editou sua regulamentação, por meio da Portaria nº 6.757/2022, com texto bastante análogo à regulamentação da Receita Federal do Brasil que mencionamos acima.

Pode-se dizer que a principal distinção do ponto de vista material se refere à possibilidade de utilização de prejuízos fiscais e base de cálculo negativa de CSLL. 

Enquanto na Portaria da Receita Federal autorizou-se a utilização com os débitos transacionados em geral, na regulamentação da PGFN, tal possibilidade somente existirá em relação aos débitos considerados irrecuperáveis ou de difícil recuperação (créditos C ou D). 

Também, a PGFN estabeleceu que somente poderiam ser utilizados os prejuízos fiscais ou bases negativas de CSLL caso esgotados os demais créditos detidos em face da União, tais como precatórios ou créditos reconhecidos judicialmente. Ou seja, no âmbito da PFGN, a utilização dos créditos de prejuízo fiscal e base negativa de CSLL está sobremaneira limitada.

5. Conclusões

Como se observou, a transação tributária é tema que pode atrair muito interesse dos contribuintes pátrios.

A legislação ainda está em desenvolvimento e vem passando por recentes alterações relevantes, bem como regulamentação por parte da RFB e PGFN, de forma que é importante estar atento à novidades para não perder nenhum detalhe ou oportunidade.

Em caso de dúvidas, envie sua mensagem para contato@taxcel.com.br


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