Em abril de 2023 o Supremo Tribunal Federal (STF) finalizou o julgamento dos embargos de declaração opostos na ADC nº 49/RN. O resultado do mencionado julgamento vinha sendo aguardado pois determinaria a modulação de efeitos da decisão que o STF havia tomado em 2021.
Neste artigo, trataremos do mencionado assunto, tanto em relação à decisão de mérito tomada há alguns anos, quanto no que diz respeito aos impactos decorrentes da recém proferida decisão de modulação de efeitos. Acompanhe!
Qual é o tema discutido na ADC 49/RN?
A ADC 49/RN é uma Ação Declaratória de Constitucionalidade que foi ajuizada pelo Governador do Estado do Rio Grande do Norte. Na ação, o Governador pretendia que o STF declarasse constitucionais os artigos da Lei Complementar nº 87/1996, conhecida como Lei Kandir, que prescrevem a incidência do ICMS sobre operações de saída de mercadoria, ainda que a mencionada saída se dê para outro estabelecimento do mesmo titular (artigos 11, §3º, II; 12, I; e 13, §4º).
O argumento trazido pelo Estado do Rio Grande do Norte foi o de que a expressão “circulação de mercadorias” deveria ser compreendida como circulação econômica, o que abrangeria as transferências de mercadorias entre estabelecimentos do mesmo titular para fins de incidência do ICMS. Para o Estado do RN, as transferências de mercadorias entre estabelecimentos de um mesmo titular não seriam juridicamente e economicamente irrelevantes a ponto de justificar a não incidência do imposto.
O Ministro Edson Fachin, relator do caso, proferiu voto defendendo que a circulação de mercadorias que “gera incidência de ICMS é a jurídica”. Ainda, em seu voto, afirmou Fachin que “o mero deslocamento entre estabelecimentos do mesmo titular, na mesma unidade federada ou em unidades diferentes, não é fato gerador de ICMS, sendo este o entendimento consolidado nesta Corte, guardiã da Constituição, que o aplica há anos e até os dias atuais”.
O relator citou, ainda, a decisão proferida no ARE nº 1.255.885/MS, no qual foi firmada a seguinte tese de repercussão geral para o Tema 1099: “Não incide ICMS no deslocamento de bens de um estabelecimento para outro do mesmo contribuinte localizados em estados distintos, visto não haver a transferência da titularidade ou a realização de ato de mercancia.”
Ao final do julgamento de mérito, em abril de 2021, o Tribunal, por unanimidade, julgou improcedente o pedido do Estado do RN, e declarou inconstitucionais os dispositivos da Lei Kandir mencionados anteriormente.
Essa posição do STF respaldou, portanto, o que a Corte já vinha entendendo, bem como o que o STJ já havia firmado há anos, tendo, inclusive, editado a Súmula nº 166, em 1996, nos seguintes termos: “não constitui fato gerador do ICMS o simples deslocamento de mercadoria de um para outro estabelecimento do mesmo contribuinte”.
Modulação de efeitos da declaração de inconstitucionalidade
Diante da decisão de mérito do STF, foram opostos embargos de declaração pelo Rio Grande do Norte, questionando a extensão da declaração de inconstitucionalidade dos dispositivos da Lei Kandir, especialmente no que se refere ao aspecto temporal e em relação à possibilidade de manutenção do crédito.
A decisão ocorrida recentemente, em abril de 2023, trata da produção de efeitos da declaração de inconstitucionalidade. Assim, o STF julgou procedentes os embargos opostos, e decidiu que os efeitos do julgamento de mérito (ocorrido em 2021) tenham eficácia para o futuro, a partir do exercício financeiro de 2024, ressalvados os processos administrativos e judiciais pendentes de conclusão até a data de publicação da ata de julgamento da decisão de mérito.
Ou seja, para as empresas que não ingressaram com a ação até a publicação da ata de julgamento do mérito (que ocorreu em 2021), a decisão somente valeria a partir do exercício financeiro de 2024. Até lá, a cobrança seria considerada constitucional.
O STF também abordou, nesses embargos, a questão da transferência do crédito de ICMS até que a decisão passe a ter eficácia. Isso porque, em havendo incidência do ICMS em operações entre diferentes estados, a operação de saída tem a incidência do ICMS, que é creditado na entrada do estabelecimento em outro Estado, havendo uma verdadeira transferência do crédito na cadeia. O STF entendeu que o fato de a saída não ter a incidência não importa a necessidade de estornar o crédito anteriormente registrado. Da mesma forma, até que a decisão tenha validade, se os Estados não disciplinarem essa transferência de crédito (em contrapartida à incidência do ICMS na saída), restará admitido tal direito aos contribuintes até que a decisão passe a valer.
Consequências modulação dos efeitos da decisão
Conforme mencionado, por conta da decisão tomada pelo STF quanto à modulação de efeitos, a declaração de inconstitucionalidade dos já referidos artigos da Lei Kandir somente terá efeitos a partir de 2024.
Isso significa, portanto, que durante o vigente ano de 2023 deve permanecer vigente a sistemática de incidência de ICMS sobre operações de saída de mercadorias entre estabelecimentos de um mesmo titular.
Há uma questão, porém, que parece ter ficado de fora da decisão de modulação tomada pelo STF: trata-se da hipótese de contribuintes que, a partir do julgamento do ARE nº 1.255.885/MS, deixaram de recolher o ICMS nas transferências realizadas entre estabelecimentos de um mesmo titular, sem ter ingressado com medida judicial ou administrativa para garantir seu direito.
De acordo com o atual entendimento do STF, tais contribuintes estariam sujeitos à cobrança do ICMS devido até o final de 2023, inclusive com incidência de multas e juros.
Importante ressaltar que, além da decisão em 2021 no bojo da ADC 49/RN, em diversos momentos o Supremo vinha defendendo a não incidência do IMCS sobre transferências entre estabelecimentos de um mesmo titular.
Conforme mencionado, o STF já havia proferido a decisão, sob regime de repercussão geral, no julgamento do tema 1099 (ARE nº 1.255.885/MS). Lembre-se que a repercussão geral pressupõe que seja reconhecido que no julgamento do processo estejam em discussão interesses que ultrapassam os limites subjetivos do processo.
Ademais, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) também já tinha editado a Súmula nº 166, que trata do mesmo assunto.
Assim, embora a decisão quanto à modulação de efeitos da declaração de inconstitucionalidade busque aumentar a segurança jurídica tributária, os contribuintes que fundamentadamente deixaram de destacar o ICMS das operações entre estabelecimentos do mesmo titular poderão enfrentar situação de enorme insegurança até o início de 2024.
Conclusões
Novamente, nos deparamos com questões complexas advindas do entendimento dos Tribunais.
Certamente, não existe uma resposta única para todas as empresas, sendo que cada uma deve avaliar os impactos da ADC 49 em suas operações, bem como a aplicabilidade imediata ou não da declaração de inconstitucionalidade.
Lembrando que a Taxcel pode auxiliar, com suas ferramentas TaxDashs e TaxSheets, a avaliar os impactos da ADC 49, das possíveis transferências de crédito entre os Estados, bem como a alterar as escriturações em caso de verificação de erros ou mudança de critérios.
Em caso de dúvidas, envie uma mensagem para contato@taxcel.com.br
0 comentário