A Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), lei n. 13.709/2018, tem sido foco de preocupação de diversas empresas nas últimas semanas. Isso porque, embora tenha sido promulgada em 2018, e sofrido diversas alterações e prorrogações, a mencionada lei entrou em vigor em setembro de 2020 e, a partir de agosto de 2021, as sanções nela previstas passaram a ser passíveis de serem aplicadas. Isso significa que as empresas que não tiverem adotado as adequações necessárias, poderão estar sujeitas a multas e penalidades.
A LGPD traz novas exigências em relação à proteção e tratamento de dados pessoais e sua entrada em vigor tem significado mais gastos para as empresas que realizam tratamento de dados pessoais. Isso porque, para que tenham suas atividades e procedimentos adequados às exigências legais, as empresas acabaram sendo obrigadas a investir em contratação ou desenvolvimento de tecnologia, contratação de pessoal qualificado, adoção de cultura e conscientização internas etc.
Impactos tributários dos novos gastos com LGPD
Do ponto de vista tributário, é relevante saber se há possibilidade de os gastos incorridos pelas empresas para adequação e compliance ao quanto estabelecido pela LGPD gerarem créditos de PIS e COFINS.
Para bem avaliarmos a questão, é preciso compreender o conceito de insumos que geram direitos a créditos de PIS e COFINS e, em seguida, verificar se os gastos com LGPD podem ser caracterizados como insumos creditáveis.
Passaremos a avaliar esses pontos a seguir.
Insumos para fins de créditos de PIS e COFINS
Inicialmente, lembramos que a incidência de PIS e COFINS pode se dar em duas sistemáticas distintas: a cumulativa e a não cumulativa. Na sistemática cumulativa, aplica-se a alíquota conjunta de 3,65% sobre a base de cálculo das contribuições, sem que sejam computados créditos.
Na sistemática não-cumulativa de PIS e COFINS, instituída pelas leis 10.637/2002 e 10.833/2003, respectivamente, a alíquota aplicável, também conjunta, é de 9,25%, mas os valores gastos com a aquisição de bens e serviços considerados insumos da atividade empresarial geram créditos, dentre outros dispêndios. E tais créditos devem ser abatidos com os débitos de PIS e COFINS apurados pela empresa.
A definição de insumos creditáveis para fins de PIS e COFINS tem fundamento em precedente do Superior Tribunal de Justiça (STJ) firmado em sede de recurso repetitivo, após anos de debates entre fisco e contribuintes.
Inicialmente, antes da mencionada decisão do STJ, o conceito de insumo utilizado pela legislação e aceito pela Receita Federal era bastante restritivo. Para o Fisco, só poderiam gerar créditos de PIS e COFINS as mercadorias ou serviços que se incorporassem ao bem ou serviço vendido – conceito similar ao de insumos definidos pela legislação do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI). Referido entendimento restringia bastante a possiblidade de serem tomados créditos de PIS e COFINS. Por outro lado, os contribuintes defendiam que deveriam ser considerados insumos todos os bens ou serviços que fossem considerados necessários à geração de receita e ao exercício da atividade da empresa.
O STJ, no julgamento do Recurso Especial nº 1.221.170/PR, Tema 779, entendeu que a interpretação mais restritiva da Receita Federal limitava de forma indevida o aproveitamento dos créditos de insumos, prejudicando o princípio da não cumulatividade das contribuições.
Assim, estabeleceu, então, os critérios que devem ser utilizados para definir se um bem ou serviço pode ser considerado como insumo para fins de geração de créditos na sistemática não cumulativa do PIS e da COFINS. Para o STJ, podem gerar créditos de PIS e COFINS os insumos a depender de sua essencialidade ou relevância para o desenvolvimento das atividades da empresa.
No julgamento do precedente, a Ministra Regina Helena Costa definiu o termo essencialidade como “o item do qual dependa, intrínseca e fundamentalmente, o produto ou o serviço, constituindo elemento estrutural e inseparável do processo produtivo ou da execução do serviço, ou, quando menos, a sua falta lhes prive de qualidade, quantidade e/ou suficiência”.
E o critério da relevância foi definido como a qualidade “identificável no item cuja finalidade, embora não indispensável à elaboração do próprio produto ou à prestação do serviço, integre o processo de produção, seja pelas singularidades de cada cadeia produtiva.“
Importante mencionar, ainda, que o voto do Ministro Mauro Campbell destacou, também, a aplicação do “teste da subtração”. O mencionado teste pode revelar a imprescindibilidade e relevância do insumo da atividade empresarial. De acordo com o teste, revela-se a imprescindibilidade do insumo quando sua subtração do processo produtivo resultar na impossibilidade de realização da atividade empresarial, ou, pelo menos, significar substancial perda de qualidade.
A tese fixada pela Corte foi a de que o “conceito de insumo deve ser aferido à luz dos critérios de essencialidade ou relevância, ou seja, considerando-se a imprescindibilidade ou a importância de terminado item – bem ou serviço – para o desenvolvimento da atividade econômica desempenhada pelo Contribuinte”.
Embora a decisão do STJ tenha estabelecido uma compreensão mais ampla do conceito de insumos para fins de créditos de PIS e COFINS, de forma a fortalecer o princípio da não-cumulatividade, a utilização dos critérios definidos no precedente depende de análise de cada tipo de custo e despesa incorridos pelas empresas. E, por haver interpretação para a adequação aos critérios de essencialidade ou relevância, muitas vezes o Fisco poderá apresentar um entendimento mais restritivo sobre a questão.
Gastos com LGPD podem ser caracterizados como insumos?
Como já mencionamos, as empresas são obrigadas a se adequar à LGPD, estando, inclusive, sujeitas a penalidades caso não o façam. Assim, é bastante claro que os gastos com a adequação à lei se enquadram nos critérios de essencialidade e relevância, e, em princípio, os insumos adquiridos deveriam gerar créditos de PIS e COFINS.
Mesmo aplicando-se o referido “teste da subtração”, fica claro que o não investimento em insumos, por parte das empresas, para atendimento ao quanto estabelecido na LGPD poderá resultar, inclusive, na aplicação de penalidades. Ou seja, também pelo critério do “teste da subtração”, os insumos poderão gerar direito a crédito de PIS e COFINS.
Em outras palavras, considerando que os gastos das empresas para atendimento ao disposto na LGPD são oriundos de um dever legal, é de se entender que há necessidade nos referidos dispêndios.
Porém, por conta de interpretações mais restritivas que muitas vezes são apresentadas por parte do Fisco, as empresas podem correr o risco de ter eventuais créditos de PIS e COFINS sobre gastos com LGPD questionados.
Decisão da Justiça Federal de Campo Grande
O tema da LGPD ainda é novidade no Brasil. As empresas ainda estão se adequando a esse novo quadro legal. Por essa razão, a discussão sobre os créditos de PIS e COFINS sobre tais gastos ainda está em estágios iniciais, não havendo decisões de tribunais de segunda instância até o momento.
De toda forma, uma sentença proferida na Justiça Federal de Campo Grande significou relevante precedente para o tema. No caso, o Mandado de Segurança nº 5003440-04.2021.4.03.6000, o juízo entendeu que os gastos necessários para adequação à LGPD são investimentos obrigatórios, inclusive sob pena de aplicação de sanções.
Ainda nos termos da sentença proferida, “o tratamento dos dados pessoais não fica a critério do comerciante, devendo então os custos respectivos serem reputados como necessários, imprescindíveis ao alcance dos objetivos comerciais”.
Assim, o contribuinte que ingressou com a ação em questão, no momento, está resguardado por decisão judicial lhe assegurando créditos de PIS e COFINS sobre gastos com LGPD.
Embora a sentença represente relevante precedente sobre o tema, é preciso destacar que o entendimento foi manifestado apenas em primeira instância, sendo prudente aguardar o entendimento que será dado pelo Tribunal.
Possíveis Caminhos para os Contribuintes em Relação ao Tema
Como adiantado, a questão ainda é nova, sendo difícil precisar qual será o entendimento que prevalecerá nos tribunais pátrios.
Assim, os contribuintes poderiam:
(i) desde já tomar os créditos em questão, assumindo o risco de autos de infração com multa;
(ii) ingressar com ação judicial para lhe assegurar o direito ao crédito; ou
(iii) aguardar o desfecho da questão, sendo que, nesse caso, caso os contribuintes sejam vencedores na questão, esse contribuinte terá direito aos créditos somente de cinco anos para trás.
Em qualquer caso, vale lembrar que a Taxcel pode ajudar a identificar os gastos com LGPD, quantificar o possível crédito e facilitar a retificação das obrigações acessórias fiscais.
Conclusão
O tema da possibilidade de gastos com bens e serviços serem considerados insumos creditáveis para fins de PIS e COFINS é bastante complexo, uma vez que passa pela definição de critérios que contam com certo grau de subjetividade. Isso também pode ocorrer em relação aos gastos realizados pelas empresas para adequação ao quanto estabelecido pela LGPD. Não há dúvidas acerca de sua necessidade, inclusive por conta das sanções que podem ser aplicadas.
Porém, considerando-se o histórico de interpretação mais restritiva da Receita Federal sobre o tema, bem como o fato de ainda não haver muitos entendimentos manifestados pelos Tribunais, para garantir que não haja questionamentos por parte do Fisco em relação aos créditos de PIS e COFINS tomados, as empresas podem apresentar Solução de Consulta à Receita, ou, então, ingressar com medida judicial buscando garantir o crédito.
Em caso de dúvidas, envie um e-mail para contato@taxcel.com.br
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