Os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) irão analisar se tratados firmados entre o Brasil e outros países podem excluir a tributação de lucros de empresas coligadas e controladas no exterior pela matriz nacional. Atualmente, há divergências entre o Superior Tribunal de Justiça (STJ) e o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) sobre essa questão, levando diversas empresas a recorrer ao Judiciário.
Essa questão é tão significativa que foi destacada no primeiro edital da nova fase de transação, uma negociação de pagamento de débitos com a Fazenda Nacional, aberta no final de 2023 para “teses tributárias”. Na época, a Fazenda Nacional identificou cerca de 200 processos em andamento sobre o tema, totalizando aproximadamente R$ 69 bilhões.
O STF começou a discutir a aplicação de tratados contra a incidência de Imposto de Renda (IR) e Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) sobre lucros auferidos no exterior em maio deste ano. No entanto, após o voto do relator, ministro André Mendonça, que foi favorável aos contribuintes, um pedido de vista suspendeu o julgamento. O prazo para o retorno do processo à pauta do Supremo após um pedido de vista é de 90 dias.
No mesmo mês, o STJ, através de uma decisão monocrática da ministra Regina Helena Costa, aceitou que tratados afastem a tributação no Brasil, enquanto a 1ª Turma da Câmara Superior do Carf manteve uma autuação fiscal em um caso similar. Advogados afirmam que essa divergência fomenta a judicialização.
O processo em julgamento no Supremo é um recurso da Fazenda contra uma decisão do STJ de 2014 (RE 870214). Naquele ano, a 1ª Turma do STJ decidiu que não incidem IR e CSLL sobre os lucros de controladas em países com os quais o Brasil firmou tratados para evitar a bitributação. No caso, as unidades da siderúrgica Vale estavam localizadas na Bélgica, Dinamarca e Luxemburgo.
O STJ considerou que deve prevalecer o artigo 7º dos tratados que seguem o modelo da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), que estabelece que esses lucros só podem ser tributados no país de origem. Dessa forma, essas empresas não seriam tributadas no Brasil, conforme determinava o artigo 74 da Medida Provisória nº 2.158, de 2001.
No voto, Regina Helena Costa afirmou que a Corte adota o entendimento de que, no caso de empresas controladas, com personalidade jurídica própria e distinta da controladora, os lucros auferidos são próprios e, portanto, tributados somente no país de seu domicílio (REsp 1325709).
Já no Carf, a 1ª Turma da Câmara Superior manteve uma autuação similar (16561.720158/2013-15) em julgamento realizado em 20 de maio. Nesse caso, o auto de infração foi dirigido à Andrade Gutierrez Engenharia, referente a lucros auferidos no exterior por controladas na Argélia, Peru, Espanha e Portugal.
No STF, o relator, ministro André Mendonça, argumenta que, uma vez pactuados os tratados, não se admite o descumprimento unilateral pelo Brasil nem seu uso abusivo pelas empresas. Além disso, a decisão no caso específico depende da aplicação de normas infraconstitucionais. Se for admitida a discussão constitucional e afastados os efeitos do artigo 7º desses tratados, isso frustraria a confiança dos contribuintes que estruturaram suas operações com base na legislação vigente e na interpretação do momento.
Mendonça ressalta que o Brasil atrai investimentos ao pactuar acordos e que a eventual redução na arrecadação sobre matrizes nacionais é compensada pelo influxo de multinacionais estrangeiras que se estabelecem no país. Ainda faltam dez votos para a decisão final.
A Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) afirmou ao Valor que o Carf segue as premissas do entendimento firmado pelo STF em precedentes como a ADI nº 2588. Segundo a PGFN, restou definido que os lucros de controladas e coligadas no exterior estão disponíveis, jurídica e economicamente, para a empresa residente no Brasil. “A renda pertence à empresa residente no Brasil, e não às empresas sediadas no exterior”, diz o órgão.
A PGFN ainda esclarece que apenas julgados do STJ na forma de recursos repetitivos produzirão efeito vinculante para o Carf, o que ainda não aconteceu. O órgão continua atuando no STJ para fazer prevalecer a tese de que a tributação recai sobre os lucros disponíveis para a empresa residente no Brasil.
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