Em recente decisão, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) analisou um planejamento tributário muito discutido em sede administrativa e que usualmente contava com desfecho desfavorável aos contribuintes.
O caso sob análise versou sobre amortização fiscal de ágio gerado em operações dentro de um mesmo grupo econômico, o que foi usualmente chamado de ágio interno, e que também teve a utilização de uma empresa holding para aquisição que gerou o ágio, que é normalmente chamada de empresa veículo.
O caso julgado pelo STJ traz relevantes entendimentos para esse debate que, apesar de não ser novo, ainda gera muita dúvida e insegurança.
Analisaremos a mencionada decisão no presente artigo. Acompanhe.
Sobre o que trata o processo decidido pelo STJ?
A decisão foi proferida nos autos do Recurso Especial nº 2.026.473 – SC. Nesse processo, discute-se os impactos fiscais da operação de aquisição da empresa Cremer pelo grupo Merril Lynch, que gerou ágio amortizado para fins fiscais.
O ágio teria surgido a partir da diferença entre o valor de avalição do patrimônio líquido da empresa adquirida (Cremer S.A.) que era negativo, conforme informações constantes nos registros contábeis, e os valores gastos para a aquisição da participação dessa mesma empresa.
Diante da operação societária em questão, o Fisco havia entendido que não seria possível a dedução do ágio, uma vez que decorrente de operações internas, aquelas que se verificam entre sociedades coligadas.
O Fisco também alegou que a amortização do ágio seria indevida já que teria havido a utilização do que se conhece como “empresa-veículo”.
Diante disso, entendeu o Fisco que, na operação em questão, não teria havido um propósito negocial, tendo sido o ágio constituído de maneira artificial.
Assim, a questão levada à análise do STJ se referiu à possibilidade de utilização de ágio para fins fiscais gerado em operações dentro do próprio grupo societário, bem como à amortização por meio da chamada empresa veículo.
Quais decisões foram proferidas antes de o processo chegar ao STJ?
Importante mencionar que a sentença proferida no processo em comento reconheceu que o ágio apurado pela parte autora teria sido considerado existente pelo Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF). Por este motivo, a sentença considerou não haver controvérsia a respeito da existência do ágio, ainda que gerado em operações entre partes relacionadas.
Além disso, ainda nos termos da sentença, o juízo de primeiro grau teria constatado que a criação da empresa-veículo teria, sim, propósito negocial, tendo sido necessária para a reorganização societária do grupo, especialmente para fins de fechamento do capital, aquisição de controle acionário e reorganização da estrutura administrativa. Portanto, para o juízo de primeiro grau, a necessidade da criação da empresa teria sido bem fundamentada.
O Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4), ao julgar o caso, considerou legítima a reorganização societária, permitindo que o ágio amortizado fosse utilizado para dedução da base de cálculo do IRPJ e da CSLL. O Fisco, então, recorreu dessa decisão e levou o processo à apreciação pelo STJ.
Quais os fundamentos da decisão do STJ?
Ao proferir seu voto, o Relator, Ministro Gurgel de Faria, entendeu que, apesar de ser legítima a preocupação da fazenda quanto à existência de operações que sejam exclusivamente artificiais, esta não poderia presumir, de forma absoluta, que as organizações societárias ocorridas entre partes dependentes ou nas quais haja utilização de “empresa-veículo” sejam todas desprovidas de fundamento material ou econômico.
Fundamentando seu entendimento, o Ministro mencionou que os arts. 7º e 8º da Lei nº 9.532/1997 não fazem menção expressa a respeito de uma eventual impossibilidade de aproveitamento de ágio nas operações que se efetivam entre partes dependentes (vedação esta que surgiu com a edição da Lei nº 12.973/2014) ou quando há emprego de empresa veículo.
Caberia ao Fisco demonstrar que as operações são artificiais, fazendo uma análise de cada caso concreto, não podendo pressupor que qualquer existência de ágio, quando verificada entre partes dependentes ou com utilização de empresa-veículo, seria abusiva por si só.
Ademais, ainda nos termos do voto do Ministro relator, a rejeição apriorística do emprego de empresa-veículo poderia contrariar o disposto no art. 2º, § 3º, da Lei nº 6.404/1976, que permite a criação de companhias que tenha por objeto participar de outras sociedades, sendo a participação facultada como meio de realizar o objeto social ou para o fim de se beneficiar de incentivos fiscais.
Não só não haveria impedimento legal para que uma empresa seja criada como veículo para facilitar a realização de negócios jurídicos, mas haveria razões reais para tanto, especialmente quando a investidora é empresa estrangeira. Isso porque a criação de uma “empresa-veículo” poderia conferir maior segurança em diversos aspectos.
O relator entendeu, então, que a descrição dos fatos da operação, apresentada tanto na sentença quanto no Acórdão, não demonstrou que as operações realizadas poderiam ser consideradas atípicas, artificiais ou desprovidas de função social.
Assim, entendeu-se que o auto de infração lavrado em face do contribuinte não poderia prevalecer.
Conclusão
Como se observou dos argumentos mencionados acima, o STJ entendeu que não cabe ao fisco simplesmente presumir a ilegalidade de um determinado planejamento ou estrutura, tendo que demonstrar ativamente a falta de substância desses atos ou estruturas. No caso concreto, o Fisco tão somente presumiu a ilegitimidade da amortização do ágio por entender que teria sido gerado dentro de um mesmo grupo e por meio de empresa veículo, pelo que não prevaleceria a autuação.
Isso não significa que o STJ ou que as demais cortes judiciais validariam todos os planejamentos similares, mas representa um relevante precedente para que o Fisco de fato demonstre elementos que permitam desconsiderar atos ou negócios jurídicos
Por fim, vale destacar que se trata de um precedente da 1ª Turma do STJ, havendo duas turmas competentes para julgar temas de direito tributário, de forma que tal entendimento ainda não pode ser considerado como pacífico ou consolidado dentro do próprio tribunal.
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