No início de outubro de 2024 foi publicada a Medida Provisória nº 1.262/2024 (“MP 1262/2024”), instituindo o Adicional da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido, no processo de adaptação da legislação brasileira às Regras Globais Contra a Erosão da Base Tributária – Regras GloBE, de acordo com os parâmetros definidos pela OCDE.
Trataremos deste assunto no presente artigo, acompanhe.
Contexto internacional
Já há muitos anos, grupos de países tentam combater o planejamento tributário internacional considerado abusivo, diante dos possíveis efeitos lesivos desses planejamentos à sociedade de forma geral, efeitos esses que têm se mostrado mais graves diante do crescimento de grandes conglomerados de tecnologia e da digitalização da economia.
Esses esforços coordenados contra esse planejamento tributário internacional abusivo foram capitaneados especialmente pela OCDE. Em sua última abordagem, a OCDE sugeriu um complexo conjunto de regras para instituir um tributo mínimo global, em uma iniciativa denominada Pillar 2.
A MP 1262/2024 foi editada nesse contexto, em que diversos países tentam estabelecer uma tributação mínima global para se adequar à iniciativa do Pillar 2.
O que a MP 1262/2024, em linha com a iniciativa do Pillar 2 visam a combater é a erosão da base tributária, que ocorre por meio de planejamentos tributários abusivos que deslocam os lucros de uma empresa multinacional para uma jurisdição de baixa ou nenhuma tributação. Essa alocação poderia ser entendida como abusiva uma vez que a atividade econômica desse grupo não estaria em sua parte mais relevante concentrada nessas jurisdições de baixa ou nenhuma tributação, já que o desenvolvimento dos ativos mais relevantes se daria em outras localidades, o mercado consumidor não seria daquela jurisdição para onde os lucros são deslocados etc. Esta prática prejudicaria os países que não instituíssem tributação baixa, a despeito de as riquezas serem geradas nestas jurisdições, com a perda de arrecadação de tributos que, cada vez mais, ficariam concentrados nos grandes conglomerados empresariais.
A prática mencionada foi bastante agravada com a digitalização da economia. Isso porque, atualmente, as maiores empresas do mundo desenvolvem intangíveis (como tecnologias, softwares, marcas etc.). Esses intangíveis podem ser facilmente atribuíveis a países de baixa ou nenhuma tributação, já que, quando do seu desenvolvimento, é difícil aferir um valor de mercado para eles. Assim, é possível que estas empresas aproveitem a facilidade de transmissão de seus ativos intangíveis como forma de pagar menos tributo, transferido seus ativos e correspondentes lucros a países de baixa ou nenhuma tributação, em detrimento de países com tributação mais alta.
As regras do Pillar 2 estabelecem que os grandes grupos de multinacionais, considerados aqueles com rendimentos superiores a 750 milhões de euros, devem estar sujeitos a alíquota efetiva mínima de 15% de tributação sobre a renda, em todas as jurisdições em que atuem. O Pillar 2 estabelece, portanto, uma tributação mínima global para atacar essas práticas dos grandes conglomerados multinacionais.
As multinacionais deverão, de acordo com as regras do Pillar 2, calcular a alíquota efetiva de tributação sobre a renda que sofrem em cada jurisdição e, se em alguma delas referida alíquota ficar abaixo dos 15%, haverá necessidade de recolhimento de um tributo adicional (top up tax). Caso o país mantenha a tributação mais baixa do que o mínimo estabelecido, sem impor o recolhimento do tributo adicional, a diferença poderá ser recolhida pelo país da empresa controladora, ou pelo país de jurisdição de outra entidade do grupo.
Isto significa que se algum país não tributar a renda das grandes multinacionais à alíquota efetiva mínima prevista de 15%, então outros países passarão a poder aplicar um complemento de alíquota sobre os lucros das multinacionais, de modo a completar o valor da alíquota efetiva mínima. O país que impõe uma alíquota muito baixa, então, perderá arrecadação em favor de outro.
É neste contexto que a MP 1262/2024 foi apresentada. Esta norma estabelece, no Brasil, o tributo adicional para as hipóteses em que empresas multinacionais possam ter uma alíquota efetiva de tributação sobre a renda inferior aos 15%.
O que estabelece a MP 1262/2024?
Apresentaremos, agora, e em linhas gerais, o que a MP estabelece em relação à tributação mínima global no Brasil.
A MP institui a tributação mínima efetiva baseada nas regras do Pillar 2, que será realizada por meio de adicional de CSLL, adicional este que será apurado nos termos definidos pela MP 1262/2024. A norma estabelece, ainda, regras para determinação de lucros ou prejuízos de acordo com as Regras Globais Contra a Erosão da Base Tributária (“Regras GloBE”).
Para se entender a ideia geral da MP, há três conceitos que precisam ser entendidos: (i) os lucros ou prejuízos GloBE, (ii) lucros excedentes e (iii) os tributos abrangidos.
Os lucros ou prejuízos GloBE correspondem aos resultados contábeis ajustados conforme regulamentação. A ideia por trás disso é uniformizar, entre países com normas contábeis distintas, a base de cálculo para aferição da alíquota efetiva.
Os lucros excedentes são os lucros GloBE subtraídos da exclusão baseada em substância, que corresponde à exclusão baseada na folha de pagamento e exclusão baseada em ativos tangíveis. O lucro excedente serve para calcular o adicional de CSLL e, por essa razão, há a exclusão desses valores que indicam substância econômica em determinada jurisdição, seja por haver empregados ou ativos tangíveis.
Por sua vez, oos tributos abrangidos seriam, de forma geral, os tributos incidentes sobre a renda ou lucro corporativo) de cada entidade localizada no país.
As entidades deverão, portanto, calcular sua alíquota efetiva, considerando o Lucro GloBE e os tributos abrangidos. O percentual de adicional de CSLL será aferido pela diferença entre o percentual padrão de 15% e a alíquota efetiva dos tributos abrangidos sobre o lucro GloBE.
A partir disso, esse percentual complementar é aplicado sobre os lucros excedentes, aferindo-se, por fim, o adicional da CSLL.
Conforme regras internacionais do Pillar 2, a MP estabelece que o adicional da CSLL será aplicado a Entidades Constituintes de um Grupo de Empresas Multinacional que tiver auferido receitas anuais de 750 milhões de euros ou mais nas Demonstrações Financeiras Consolidadas da Entidade Investidora Final em pelo menos dois dos quatro anos fiscais imediatamente anteriores ao analisado. Esse mínimo de faturamento já restringe bastante a aplicabilidade da referida MP.
A MP entrará em vigor nessa parte em 1º de janeiro de 2025. O vencimento do adicional de CSLL se dá no último dia do sétimo mês subsequente ao ano calendário (ou seja, último dia útil de julho de cada ano, iniciando em 2026).
Conclusões
Nesse conteúdo, passamos uma ideia geral das regras do Pillar 2 instituídas no Brasil pela MP 1262/2024.
É importante estar atendo ao desenvolvimento do tema, inclusive com a discussão da MP no legislativo, bem como entender os possíveis impactos da MP para os seus negócios.
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