Neste último artigo da série em que apresentamos um Raio X da burocracia tributária no Brasil, apresentaremos alguns comentários a respeito das dificuldades oriundas de benefícios fiscais no país. Relembrando que já fizemos um post de introdução do tema da Burocracia, e já tratamos dos seguintes assuntos: Complexidade das Declarações fiscais, Diversidade das Declarações e Tributos, Complexidade da legislação tributária e Dificuldades relacionadas à restituição de tributos.
O que são benefícios fiscais?
Benefícios fiscais ou incentivos fiscais são, de uma forma geral, instrumentos por meio dos quais um ente tributante garante um tipo de vantagem tributária a um determinado contribuinte. A definição é bastante vaga e imprecisa justamente porque há inúmeros tipos de benefícios fiscais. Há aqueles que importam em redução do valor a ser pago a título de um determinado tributo, como quando há redução de bases de cálculo ou alíquotas, inclusive quando se estabelece a possibilidade de ser deduzido um determinado valor da base tributável, há incentivos que aumentam o prazo para pagamento dos tributos, diferindo o momento para o futuro etc.
Os benefícios fiscais podem ser concedidos, em tese, por qualquer ente tributante. Como já vimos anteriormente, por se tratar de uma República Federativa na qual há divisão de competências tributárias, cada ente (ou seja, a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios) pode legislar sobre os tributos de sua atribuição. Assim, em tese, cada Estado e cada Município poderia estabelecer incentivos para as áreas de atividade escolhidas.
Dizemos “em tese” pois, como veremos, uma das consequências negativas da possibilidade de concessão de benefícios fiscais é a guerra fiscal. E para impedi-la, em algumas situações a concessão de benefícios por alguns entes federativos é limitada e condicionada.
Quais os principais motivos para a concessão de benefícios fiscais?
A concessão de benefícios fiscais pode ser avaliada a partir de duas perspectivas: (i) dos contribuintes; e (ii) do ente federativo concedente.
Da perspectiva dos contribuintes, usufruir de um benefício fiscal pode ser extremamente vantajoso quando se pensa na viabilidade de desenvolver uma atividade produtiva. Assim, se uma empresa pretende iniciar um processo industrial, pode ser muito mais vantajoso que ela escolha se estabelecer em uma localidade na qual há o diferimento do pagamento de determinados tributos para, por exemplo, um momento em que a empresa já esteja em operação e já tenha levantado caixa.
Do ponto de vista do ente federativo concedente do benefício, há tanto a possibilidade de se incentivar comportamentos desejados, como, por exemplo, a opção, por parte das empresas, de se inscrever no Programa de Alimentação do Trabalhador; quanto a tentativa de tornar o ambiente mais vantajoso economicamente de forma a atrair mais investimentos privados.
Assim, a concessão de benefícios fiscais pode ser uma espécie de sanção premial, ou seja, uma forma de estimular que as empresas adotem certos comportamentos. Ou pode, também, ser uma forma que o ente federativo tem de atrair empresas para a sua circunscrição, quase como meio de concorrência entre estados ou municípios. Desta última hipótese é que se origina a guerra fiscal.
Vale mencionar, ainda, que a concessão de benefícios fiscais pode significar grande vantagem para a empresa que dele pode usufruir. Porém, como contrapartida, é possível que os demais contribuintes, aqueles que não são os destinatários dos benefícios, acabem sobrecarregados para fazer frente à redução da arrecadação.
Além disso, é preciso, ainda, considerar que a redução na arrecadação, resultado da concessão de benefícios por parte de determinados entes tributantes, signifique redução nas contas públicas que deveriam ser destinadas aos investimentos públicos. Para saber mais sobre este assunto, veja reportagem do G1 sobre benefícios fiscais.
Veremos como os benefícios fiscais, ainda que possam impactar positivamente as atividades dos contribuintes, influenciam negativamente na posição do Brasil como um país bastante burocrático do ponto de vista tributário. O primeiro exemplo não poderia deixar de ser a guerra fiscal, que gera relevante custo de controle e de manutenção de contencioso por parte dos contribuintes, como veremos a seguir.
O que é a guerra fiscal e como ela se relaciona com os benefícios fiscais?
Como vimos, do ponto de vista dos entes federativos, a possibilidade de concessão de benefícios fiscais pode servir como forma de atrair investimentos para suas circunscrições. O problema ocorre quando, a exemplo do que se verificou entre os Estados brasileiros, há uma disputa pela instalação de novos empreendimentos, travada por meio de concessões unilaterais de benefícios relacionados ao ICMS.
A guerra fiscal ocorre, então, quando cada ente tenta oferecer situação tributária mais vantajosa do que o outro, formando, como mencionado, quase uma espécie de concorrência, com o objetivo de tentar atrair a maior quantidade de empresas para a sua circunscrição. Porém, muitas vezes por conta de diversas características de cada Estado, inclusive considerando-se o próprio modelo de industrialização desenvolvido no país, alguns Estados acabam sendo capazes de sempre oferecer melhores condições fiscais, dificultando o estabelecimento de empreendimentos em outras localidades.
Desta guerra fiscal decorre, também, uma grande dificuldade burocrática para as empresas destinatárias de benefícios fiscais. Isso porque os Estados, ao se depararem com mercadorias circuladas sob fruição de benefícios concedidos por outro Estado, glosam o crédito do contribuinte, gerando grandes litígios administrativos e judiciais, representando, ainda, relevantes custos de controle e representação nestes processos. Assim, a insegurança jurídica oriunda dos benefícios, e a eventual glosa de créditos por outros Estados, contribui fortemente para a burocracia fiscal brasileira.
Inclusive, no caso do ICMS, para evitar que cada Estado pudesse conceder unilateralmente qualquer benefício fiscal, foi estabelecido o CONFAZ, Conselho Nacional de Política Fazendária, que tem como competência celebrar convênios para efeito de concessão ou revogação de isenções, incentivos e benefícios fiscais e financeiros, justamente como forma de evitar a guerra fiscal.
Dada a tamanha complexidade do assunto e os litígios travados inclusive entre Estados perante o STF, veio a Lei Complementar nº 170/2017. Mas fato é que os contribuintes passaram todos esses anos em uma incerteza a respeito de como os Estados tratariam os benefícios concedidos pelos demais.
Exemplo de benefício fiscal: Zona Franca de Manaus
Um exemplo bastante conhecido de local de destino de benefícios fiscais é a Zona Franca de Manaus (ZFM). Antes de apresentar algumas de suas características, é importante mencionar que o estabelecimento da zona franca foi previsto constitucionalmente como forma de incentivar a produção na região. Tratando-se de benefícios de tributos federais, não se trataria de incentivo à guerra fiscal.
Há, na ZFM, benefícios relacionados ao IPI, tanto isenções como suspensão e a possibilidade de manutenção do crédito escritural de IPI sobre a entrada de produtos isentos. Há, ainda, alíquotas diferenciadas de Contribuição ao PIS e COFINS, isenção de Imposto de Importação para produtos que entrem na ZFM para consumo interno, industrialização em qualquer grau, inclusive beneficiamento, e destinada à estocagem para exportação. A legislação prevê, também, redução de 75% do Imposto de Renda e adicional calculado sobre o lucro da exploração para determinadas pessoas jurídicas.
Para aproveitar os benefícios, no entanto, as empresas devem preencher diversos requisitos, como o preenchimento de informações adicionais nas Notas Fiscais de remessas efetuadas à Zona Franca, cumprimento de processo produtivo básico, geração de emprego na região, reinvestimento de lucros na região etc.
Assim, embora haja diversos benefícios aplicáveis às empresas que se estabeleçam na ZFM, a legislação também condiciona a fruição dos mencionados benefícios ao cumprimento de contrapartidas por parte das empresas que nem sempre podem ser considerados simples.
Mesmo em relação aos benefícios fiscais da ZFM que, como já mencionado, foram previstos constitucionalmente, surgem discussões e burocracias aos contribuintes. Como exemplo, recentemente houve julgamento pela Câmara Superior do Tribunal de Impostos e Taxas de São Paulo, analisando a questão da manutenção do crédito de ICMS, por contribuintes paulistas, sobre entradas oriundas da ZFM com benefícios fiscais não convalidados por convênio do CONFAZ. No caso em questão, prevaleceu a tese do Fisco, no sentido de que os créditos de ICMS não poderiam ser mantidos por contribuintes paulistas, restando aos contribuintes buscar o Judiciário para tentar garantir seu direito aos créditos de ICMS. Para saber mais sobre este julgamento, leia o post que fizemos sobre a decisão.
Conclusões
Pudemos verificar que, embora a concessão de benefícios fiscais possa auxiliar determinadas empresas a se tornarem mais competitivas no momento de desenvolver suas atividades, de outro lado, os entes federativos concedentes dos benefícios podem acabar criando situação de guerra fiscal ou, ainda, de aumento da burocracia fiscal.
Com este último post, finalizamos a série de artigos na qual avaliamos, de forma mais pormenorizada, a burocracia tributária no Brasil. Como pudemos verificar, há um longo caminho a ser percorrido para que deixemos de ser o país no qual mais se gastam horas com questões tributárias.
Se quisermos nos tornar mais atrativos para investimentos internacionais, não apenas será necessário simplificar as regras fiscais e reduzir a quantidade de obrigações acessórias que as empresas são obrigadas a cumprir, mas será fundamental garantir, também, maior segurança jurídica em matéria tributária.
Em caso de dúvidas, envie uma mensagem para contato@taxcel.com.br
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