Tema relativamente recorrente em julgamentos do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF), inclusive em julgados recentes, a possibilidade de dedução da despesa contábil de ágio (antes do novo regramento contábil, portanto) da base de cálculo da CSLL foi, novamente, objeto de debates. Ao contrário do que vinha ocorrendo na 1ª Turma da Câmara Superior do CARF, neste caso que abordamos no presente conteúdo, a tese da fazenda foi vencedora.
Apresentaremos, a seguir, as principais considerações a respeito do tratamento do ágio e o panorama geral da discussão para que você possa entender o que restou decidido.
O que é ágio e o pano de fundo da discussão
O conceito de ágio passou por modificação a partir da publicação da lei nº 12.973/2014. Antes da referida lei, a legislação tributária, mais especificamente o Decreto-Lei nº 1.598/1977, considerava como ágio a diferença entre o custo de aquisição de um determinado investimento e o valor do patrimônio líquido escriturado contabilmente na empresa investida. A partir desta definição, o ágio desdobrava-se em: (i) mais valia de ativos, (ii) expectativa de rentabilidade futura, e (iii) fundo de comércio, intangíveis ou outras razões econômicas.
À época, havia entendimento de que caberia ao contribuinte a opção da alocação econômica do ágio, como descrito acima. Por razões fiscais, era normal a integralidade do valor ser alocado a rentabilidade futura. Esse entendimento, atualmente, vem sofrendo reveses no CARF.
De acordo com a sistemática tributária estabelecida pelo Decreto-Lei nº 1.598/1977, a amortização do ágio deveria ser neutra para fins tributários, ou seja, as contrapartidas de sua amortização contábil não deveriam ser computadas na determinação do lucro real. Isso se alterou com a edição da Lei nº 9.718/1998, que alterou a Lei nº 9.532/1997, passando a possibilitar a amortização para fins fiscais do ágio, à razão de um sessenta avos por mês. É importante destacar que tal dedutibilidade fiscal somente é aplicável em caso de absorção do patrimônio da sociedade investida.
Em não havendo tal absorção, prevalece a regra do Decreto-Lei nº 1.598/1977, que estabelece a neutralidade fiscal das eventuais despesas de ágio. É nesses casos em que ocorre a controvérsia ora discutida.
Nesse particular, é importante destacar que, à época, considerando a inexistência de regras contábeis autônomas, o ágio também era amortizado dessa forma sistemática em até cinco anos, seguindo os ditames fiscais.
Somente com a adoção, pelo Brasil, nos padrões contábeis internacionais, com a edição da Lei nº 11.638/2008, o que culminou na edição da lei nº 12.973/2014, regulamentando os efeitos tributários da mencionada padronização internacional, houve modificação na sistemática do ágio.
Em primeiro lugar, o ágio passou a ser tão somente o goodwill, que passou a corresponder ao valor da aquisição que superasse o valor patrimonial mais o valor dos ativos e passivos trazidos a valor justo. Seguindo os padrões contábeis internacionais, o ágio também deixou de se sujeitar a amortização na contabilidade, passando a ser somente sujeito ao teste de recuperabilidade (ou impairment).
Assim, a exclusão do ágio para fins fiscais passou a se dar unicamente na apuração do IRPJ e da CSLL em seus livros próprios de apuração, não afetando mais o resultado contábil.
Antes disso, ou seja, antes do novo regramento contábil, a contrapartida da amortização do ágio era despesa para fins contábeis e não havia determinação expressa de adição à base de cálculo da CSLL.
Ágio, IRPJ e CSLL – O que se discutiu no caso em questão?
Como mencionado, o Decreto-Lei nº 1.598/1977 estabelecia que a contrapartida da amortização do ágio ou deságio não deveria ser computada na apuração do lucro real, assumindo a premissa de que poderia ser despesa contábil. De acordo com o Decreto-Lei, portanto, a avaliação de investimentos deveria ser neutra para fins tributários – tanto a variação positiva ou negativa do valor do investimento quando há avaliação pelo método da equivalência patrimonial, quanto em relação à amortização de ágio ou deságio.
Nesse aspecto, portanto, anteriormente ao novo regramento contábil, o ágio poderia representar uma despesa no resultado das companhias, diminuindo, assim, o lucro líquido do exercício.
Nesse sentido, o Decreto-Lei nº 1.598/1977, observando a dita neutralidade, estabelecia que a referida despesa deveria ser adicionada ao Lucro Real, mas era silente a respeito de sua adição para fins da base de cálculo da CSLL.
Diante disso, alguns contribuintes passaram a entender que, em não havendo absorção do patrimônio da investida (absorção esta que autorizaria a amortização fiscal do ágio), ou seja, em caso de manutenção da participação na investidora, a despesa contábil do ágio afetaria o lucro líquido e não haveria determinação de adição à base da CSLL, razão pela qual a despesa seria dedutível da base dessa contribuição.
O Fisco, por outro lado, manifestou entendimento no sentido de que (i) o art. 57 da Lei nº 8.981/1995 equipararia as bases de cálculo do IRPJ e CSLL e (ii) o Decreto-Lei nº 1.598/1977, ainda que tenha mencionado somente “lucro real” ao tratar da adição do ágio, quis trazer a neutralidade para tal despesa contábil, o que valeria para IRPJ e CSLL. Ou seja, para o Fisco, em havendo despesa contábil do ágio, deveria haver a adição, tanto no lucro real quanto na base da CSLL.
Diante disso, vale dizer que a discussão é aplicável para quando o ágio ainda poderia ser despesa na contabilidade. Isso deixou de ser possível com a edição da Lei nº 11.638/2008, como dissemos acima. Após o novo regramento contábil, o ágio não se sujeita mais a amortização e, assim, a discussão não seria aplicável.
Recente julgamento da 1ª Turma da Câmara Superior do CARF
Em um recente julgamento realizado no CARF sobre a discussão apresentada, a 1ª Turma da Câmara Superior deu ganho ao entendimento da fazenda, ou seja, foi vencedora a tese que entendia que os valores relativos à amortização de ágio deveriam ser adicionados à base de cálculo da CSLL, mesmo que tivessem representado despesa contábil.
Nesse processo, a OI, empresa de telefonia, apresentou declaração de compensação em que apurou crédito de CSLL por não ter deduzido o ágio de participação societária da base de cálculo da CSLL. Novamente, por entender que seria despesa contábil (antes da Lei nº 11.638/2008, portanto) e inexistindo regra que determinasse sua adição, reputou ser detentora do referido crédito fiscal.
Como adiantado, a compensação foi rejeitada pelo Fisco, pelo argumento de que a exclusão deveria ser realizada da base de cálculo da CSLL já que o art. 57 da Lei nº 8.981/1995 preveria a equiparação das bases com o IRPJ.
A tese ganhou, no entanto, por voto de qualidade pró-fazenda. Embora desde a publicação da lei nº 13.988/2020 não seja mais aplicado o voto de qualidade em favor do fisco, devendo o julgamento ser resolvido de forma favorável ao contribuinte (para saber mais sobre o voto de qualidade no CARF, clique aqui), há algumas exceções, como é o caso das compensações.
Nesse caso, em se tratando de declaração de compensação, o empate terminou com vitória do Fisco.
A questão, portanto, ainda segue debatida, já que, também recentemente (em dezembro de 2021), um contribuinte obteve vitória na mesma matéria perante a 1a Turma da CSRF, garantindo-se seu direito de deduzir a despesa de ágio da base de cálculo da CSLL.
Assim, será necessário acompanhar o desdobramento da discussão para verificar qual será a tese que ainda prevalecerá, lembrando que ela somente tem aplicabilidade para fatos anteriores ao novo regramento contábil estabelecido pela Lei nº 11.638/2008.
Considerando a controvérsia, é provável que alguns casos cheguem ao judiciário, que ainda não tem também um posicionamento estabelecido sobre a questão.
Em caso de dúvidas, envie uma mensagem para contato@taxcel.com.br
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